A Polícia Federal investiga uma turma de golpistas, entre eles um político petista, que inventou uma autarquia, deu prejuízo a investidores e enganou até o ex-presidente da Câmara dos EUA
FILIPE COUTINHO E THIAGO BRONZATTO
A página 161 do Diário Oficial da União de 15 de maio de 2012 anunciava um projeto ambicioso: a fabricação de lâmpadas LED
para instalação em 5.566 cidades do país. Ao custo de R$ 3,7 bilhões, o
tal projeto fazia parte do pomposo Programa Governamental Brasileiro de
Modernização e Racionalização da Iluminação Pública. O Diário Oficial
informava que a contratação ficaria a cargo da Agência Pública Nacional
de Infraestrutura e Tecnologia, ou Proinfra. Na terra da burocracia, um
troço chamado Proinfra não poderia ser empulhação. Com sede próxima à Esplanada dos Ministérios, a Proinfra tinha nome de estatal, site de estatal, brasão de estatal, jeito de estatal – mas não era estatal. Era uma invenção de espertalhões para dar golpes na Praça dos Três Poderes.
Quem tramou o embuste? O obscuro empresário pernambucano Roberto Oliveira, que escalou como “diretor-geral” o petista Carlos Rigonato, um ex-candidato a deputado federal no Paraná. Em 2011, no início do governo Dilma Rousseff, eles conseguiram registrar o site da Proinfra com terminação “.gov.br”, passaram a publicar contratos grandiosos no Diário Oficial da União
e a exibir uma certidão de bons negócios emitida pela Caixa Econômica
Federal. As paredes do escritório da Proinfra ostentavam os pequenos
toques que anulavam qualquer dúvida: uma foto oficial da presidente Dilma Rousseff e a bandeira do Brasil. A Proinfra tinha até CNPJ, mas não existia.
Nunca existiu – ao menos como parte da burocracia do governo. Após anos
enganando empresários que acreditavam fazer negócios com o governo
brasileiro, a turma da Proinfra finalmente virou caso de polícia. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar o esquema.
A burocracia em Brasília é tão vasta que até existe uma Proinfra.
Aliás, duas Proinfras. Uma fica na Caixa e outra no Ministério da
Ciência e Tecnologia. Ambas financiam projetos de infraestrutura. A Proinfra de mentirinha fechou em 20 de março deste ano, quando a Receita Federal cancelou o CNPJ dela. Após ÉPOCA investigar o caso, o site da estatal fajuta saiu do ar. Na
maquiagem governamental da Proinfra, a agência se apresentava como
“Associação Pública de Direito Público e Natureza Jurídica Autárquica”.
Carlos Rigonato, o petista do Paraná, encarregava-se de apresentar as
credenciais políticas da estatal. Ele tinha fotos com o mais eminente
casal petista do Brasil: o ministro Paulo Bernardo e a senadora Gleisi Hoffmann,
ambos do Paraná. Uma delas foi tirada no Senado, no dia em que Gleisi
foi anunciada ministra da Casa Civil, em 2011. Não há, porém, evidências
de que Gleisi ou Paulo Bernardo participavam ou mesmo soubessem do
esquema. A senadora afirma conhecer Rigonato só por ele ter sido
vice-prefeito no Paraná e não saber da existência da Proinfra. Roberto
Oliveira, o parceiro de Rigonato, apresentava-se como diretor de
Relações Institucionais da Proinfra. Cabia a ele convencer empresários a
investir na fabulação.
A Proinfra tinha sede, mas não investia um real de dinheiro público. Os contratos fictícios com outras empresas eram publicados na seção de Ineditoriais do Diário Oficial
– um buraco negro da burocracia, em que qualquer um pode publicar
qualquer coisa. A autarquia fajuta usava uma empresa de fachada chamada
Macroenergia, que pertence a Roberto Oliveira, para captar o dinheiro
dos investidores. A Proinfra tinha sede, mas não conta bancária. A
Macroenergia tinha conta bancária, mas não sede. Bastou a Proinfra
publicar no Diário Oficial que contratava a Macroenergia por
R$ 980 milhões – e puf! Um enxame de empresários apareceu para fazer
negócios com a estatal de mentira.
O grupo liderado por Roberto Oliveira oferecia dois serviços às
vítimas: promessas de subcontratação da Macroenergia (butim imaginário
de quase R$ 1 bilhão) e promessa de negócios diretos com a formidável
Proinfra (butim imaginário de R$ 10,5 bilhões). Para fechar qualquer dos
serviços, os empresários interessados precisavam pagar um pedágio – propina – a eles. Era o ato final e irresistível do golpe.
Na prática, a Proinfra era apenas uma extensão dos negócios de Roberto Oliveira, auxiliado por Rigonato. Sua filha foi uma das “nomeadas” no Diário Oficial.
A parceira Macroenergia tem o mesmo endereço da Proinfra. O grupo ainda
contava com um gerente da Caixa, que atestava a robustez financeira da
Macroenergia. Roberto Oliveira gostava de dizer que era próximo de
petistas como o deputado Marco Maia. Jactava-se de que Maia estava montando uma “frente parlamentar” para acelerar os projetos da Proinfra. E chamava o deputado e ex-ministro Aguinaldo Ribeiro, do PP, de “nosso parlamentar”. Maia e Ribeiro disseram a ÉPOCA não conhecer Oliveira nem a Proinfra.
O esquema era tão verossímil, e a lábia da dupla tão boa, que muitos caíram no golpe. Em abril de 2012, Roberto Oliveira se encontrou com Dennis Hastert, ex-presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e lobista.
Na reunião, Roberto Oliveira falou dos potenciais na área de energia do
Brasil e pediu que Hastert indicasse empresas americanas interessadas
no negócio. Oliveira sugeriu o melhor caminho para tornar viável o
negócio: contratar a Macroenergia, claro. A parceria não avançou. Em
e-mail à reportagem, Hastert contou que quem o apresentou a Roberto
Oliveira acabou sendo demitido. E informou que um representante de uma
empresa americana morreu logo depois de perder uma “grande quantidade de
dinheiro” em negócio com Oliveira. Mas não quis dar detalhes.
ÉPOCA localizou dois empresários que caíram no conto da Proinfra e
transferiram quase R$ 2 milhões a contas ligadas ao esquema. No Brasil,
Jorge Valente, proprietário da Bio Brasil Energia, de Goiânia, é um dos
empresários que levaram prejuízo. Ele conheceu a estatal de mentirinha
por meio de um sócio, que o apresentou a Carlos Rigonato. “Desde o
começo, ela me era apresentada como uma autarquia do governo federal. Eu
nunca conseguia entender a que ministério era ligada”, diz Valente. O
empresário afirma que o negócio com a Proinfra começou ainda em 2011,
quando Oliveira falou do potencial de negócios da Bio Brasil: R$ 1
bilhão. Valente vibrou.
Agora, ele conta quase R$ 700 mil em prejuízo – valor que transferiu a
empresas “parceiras” da Proinfra. Todas eram ligadas ao grupo.
Perguntado se os valores pedidos não eram na prática propina, Valente
afirma que a justificativa era alavancar os negócios e bancar as
despesas iniciais. A empresa de Valente entraria com metade, a Proinfra
com a outra. O empresário diz que, até hoje, não viu o dinheiro da
Proinfra.
Ele diz ter percebido que a operação era uma furada apenas quando
Roberto Oliveira sugeriu uma empresa sem ligações com a Proinfra para
receber R$ 100 mil do empresário. A justificativa: a Proinfra ainda não
tinha conta bancária. Valente pagou mesmo assim. “Eu tinha boa-fé, fui
uma presa fácil. Eu ficava pensando ‘e se der certo?’. Os números eram
maravilhosos”, diz.
Valente conta que viajou com Roberto Oliveira para os Estados Unidos, o
Canadá, a Turquia e o Uruguai, sempre para levantar os tais negócios
prometidos. “Ele é destemido, é o perfil de um estelionatário”, diz
Valente sobre Oliveira. Até os caminhões da empresa de Valente entraram
no negócio rocambolesco entre Proinfra e Macroenergia. Ele acertou a
venda de cinco caminhões, e Oliveira cobrou R$ 98 mil como comissão por
indicar o comprador – a Macroenergia, empresa que era da família dele.
Valente pagou a comissão, mas nunca viu o dinheiro dos caminhões. Por
sorte, nunca entregou os veículos. Ali terminava a parceria. “O Roberto
dizia que eu estava chorando de barriga cheia por causa de R$ 700 mil,
enquanto os negócios poderiam ser muito maiores.”
Até um empresário da área de software de segurança caiu no 171 da estatal de mentira.
Israelense, Michael Gamliel mantém em Santa Catarina a ABG Computer e
fechou um contrato fajuto de R$ 8 milhões com a turma da Proinfra, para
fornecer programas de computador ao governo. O contrato era fajuto, mas
não o dinheiro que ele pagou ao esquema: R$ 1,15 milhão, sempre em
contas ligadas a Roberto Oliveira. “Me apresentaram como uma pessoa do
governo. Ele dizia que, para trabalhar com o governo, tinha de trabalhar
com as empresas que já eram parceiras do governo e para isso tinha de
pagar para viabilizar o negócio. Eu sou estrangeiro, não entendia como
funcionava e acreditei”, diz Gamliel. Nada mais natural para um estrangeiro que pagar pedágio no Brasil.
ÉPOCA questionou o Ministério do Planejamento, a Imprensa Nacional e a
Casa Civil sobre como a Proinfra conseguiu o status de autarquia. A Casa
Civil informou que em 2013 encaminhou o caso para a Polícia Federal. O
Planejamento, por sua vez, disse que autorizou o site a usar “.gov.br” a
partir da documentação enviada, mas que pedirá o cancelamento do site e
vai apurar o caso. A Imprensa Nacional disse que qualquer pessoa
jurídica pode publicar na seção de Ineditoriais do Diário Oficial.
A Caixa disse que os documentos emitidos pelo gerente não seguem o
padrão do banco e apurará o caso. Rigonato disse a ÉPOCA que saiu da
Proinfra porque os contratos não foram honrados e ele não recebeu os
valores prometidos. Ele afirma também que não mantém atividade
partidária desde 2006. “Eu desconheço que atuava como uma estatal. Eu
sinceramente não sei por que tinha site ‘.gov’. Quem tocava os negócios
era o doutor Roberto. Pelo que sei, ele desapareceu”, disse ele.
Rigonato nega que a Proinfra era uma estatal para dar golpes em
empresários. “Nós juntávamos interesses de empresários. Éramos
intermediários.” Roberto Oliveira, sua filha e a Macroenergia não foram
localizados por ÉPOCA. A Polícia Federal irá atrás deles.