De condenado a senhorio da União

O ex-senador Luiz Estevão paga sua dívida pela condenação no escândalo dos desvios do TRT de São Paulo alugando imóveis para a União por meio de laranjas

Claudio Dantas Sequeira
 
Não é todo dia que um político condenado concorda em devolver o que roubou com juros e multa. Por isso, o acordo celebrado em 2012 entre a Advocacia Geral da União (AGU) e o Grupo Ok, do ex-senador Luiz Estevão, surpreendeu a todos. Condenado pelo desvio de R$ 169 milhões na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, Estevão aceitou devolver à União R$ 468 milhões. Do total, R$ 80 milhões à vista e R$ 388 milhões em 96 vezes de R$ 4,1 milhões atualizados pela taxa Selic. Ocorre que esse é justamente o valor que o político e empresário obtém hoje com o aluguel mensal de dez imóveis ocupados por ministérios, autarquias e por uma secretaria do governo do Distrito Federal. Por meio de reajustes de até 60% e da assinatura de novos contratos com empresas laranjas, Estevão multiplicou sua renda extra de R$ 2,6 milhões para R$ 4,3 milhões. Com isso, não precisa desembolsar um centavo para quitar sua dívida. Quem paga é a própria União e, em última análise, o cidadão. Ou seja, Luiz Estevão continua aprontando das suas para obter vantagens, reeditando o comportamento que o notabilizou durante toda a sua trajetória política e empresarial. Só que agora sua jogada é mais do que inacreditável: ele repara os danos que ele mesmo causou ao erário com dinheiro da própria União.
ESTEVAO-01-IE-2299.jpg ELE NÃO MUDA
Cassado por envolvimento nos desvios do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
Luiz Estevão continua tentando levar vantagem em tudo
A AGU já identificou que as empresas que alugam para a União são de laranjas de Luiz Estevão. Umas delas, inclusive, é gerida por uma filha do ex-senador. Mesmo assim, para a AGU, não há conflito ético em Estevão quitar sua dívida com dinheiro do próprio erário, nem vê problemas no fato de o governo federal ter como senhorio um ex-senador cassado, que responde por diferentes crimes e que já foi condenado no Superior Tribunal de Justiça a 31 anos de prisão por crimes como corrupção ativa, estelionato e formação de quadrilha. “A União precisa de imóveis para abrigar suas repartições. Não dá para ficar escolhendo”, argumenta o procurador-geral da União, Paulo Khun. Para ele, trocar os aluguéis pela dívida foi a melhor solução. “Os processos poderiam se arrastar indefinidamente e nunca recuperaríamos o que foi desviado”, diz. A AGU chegou a tentar tomar os imóveis, mas Estevão conseguiu embargar a medida judicialmente. Khum ressalta que o Grupo Ok também retirou todos os recursos judiciais que impediam o andamento do processo.
ESTEVAO-03-IE-2299.jpg
01.jpg
 
 
Por ironia, um dos principais inquilinos do ex-senador condenado é a Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, órgão que concentra todos os dados de operações policiais do País. O contrato foi assinado em 2011, entre o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, e a jovem empresária Fernanda Meireles Estevão de Oliveira Resende, filha do ex-senador que aparece como responsável e administradora da empresa LCC Empreendimentos, uma das companhias que Estevão abriu em nome de laranjas, entre eles Carlos Estevão Taffner. A PF paga por ano R$ 3 milhões e o contrato é reajustado a cada 12 meses. No mesmo complexo, está o Instituto Chico Mendes, que desembolsa R$ 716 mil mensais pelo espaço.
chamada.jpg
02.jpg
A LCC Empreendimentos também recebe cerca de R$ 657 mil pelo aluguel de imóveis nas asas Sul e Norte do Plano Piloto. Um conjunto de salas é ocupado pela Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), responsável por todas as compras e licitações da pasta. Mas a maior parte dos contratos de aluguel de imóveis de Estevão para a União foi firmada pela Inovar Construções e Empreendimentos Imobiliários, registrada em nome de Guilherme e Amanda Taffner. Para a Procuradoria-Geral da União, são claros os “indícios de desvio patrimonial” por meio da formação de um grupo econômico informal. “Quando houve o bloqueio dos bens em 2000, os filhos de Estevão eram adolescentes. Não tinham condições de ser donos de empresas com esse patrimônio”, explica um dos integrantes do grupo de investigação. Por meio do cruzamento das matrículas dos imóveis e dos contratos sociais dessas empresas, foram mapeados 1.388 imóveis de propriedade do ex-senador, incluindo apartamentos residenciais, salas comerciais, fazendas e edifícios.
ESTEVAO-02-IE-2299.jpg
03.jpg
Até setembro deste ano, a Inovar recebeu da União mais de R$ 17 milhões em contratos de aluguel com órgãos federais. Muitos desses contratos foram firmados com dispensa de licitação e tiveram aditivos de até 25%, pois foram feitos com base na Lei 8.666. O mercado imobiliário usa o IGP-M com índice de reajuste. Por meio da Inovar, um dos maiores contratos de Estevão com o poder público foi celebrado com a Funa­i: R$ 16,8 milhões. Em maio, foram empenhados de uma só vez cerca de R$ 8,4 milhões. Nesse mesmo mês, o diretor de Administração do órgão, Antonio Carlos Futuro, nomeou como fiscais do contrato da Funai com a Inovar a agente em indigenismo Maria Tereza Passarela e o motorista Elizeu Edílson Vasconcelos dos Santos. Como cabe a cada órgão firmar e gerir seus próprios contratos de locação, não há como a AGU saber se os valores são justos ou superfaturados. Muito menos checar se há desvios. Luiz Estevão sabe bem disso.
04.jpg
Fotos: Daniel Ferreira/CB; Adriano Machado

5 clichês que você está cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato

 Publicado por Spotniks

 5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Nos últimos dias, a condução coercitiva do ex-presidente Lula na Lava Jato reacendeu as defesas acaloradas de uma trupe já pouco atuante em tempos de crise: a dos governistas.
De forma implacável, a construção de pelo menos cinco discursos foram repetidos à exaustão desde então, de cima para baixo, passando das principais lideranças do partido à base aliada, políticos locais e, por fim, a militância. A ideia era sempre muito clara – passar a culpa adiante, como se houvesse um cenário de perseguição por camadas ao governo, uma grande conspiração para derrubar não apenas a principal liderança do PT, e sua candidatura em 2018, como todo seu partido.
Mas quanto desses discursos se sustentam longe da retórica política? Muito pouco. Por isso, preparamos esse pequeno manual. Aqui, listamos o núcleo de cada chavão governista e o que está por trás deles: 5 clichês que você está cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato, e por que eles não passam de papo furado.

1. “LULA É PERSEGUIDO PELAS ELITES”

5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Você provavelmente ouviu muito isso nos últimos dias: Lula é perseguido pelas elites do país. Foi o que ele mesmo disse, após sua condução coercitiva pela Lava Jato. E ele não foi o único.
A senadora Fátima Bezerra, do PT, foi outra – qualificou a condução como o “maior espetáculo jurídico-midiático já produzido pelas elites do nosso país”. Ricardo Coutinho, governador da Paraíba, repetiu a dose e declarou que “nobres e necessários objetivos legalistas cada vez mais se confundem com desejos e estratégias de correntes políticas e de algumas elites econômicas retrógradas”. Jackson Barreto, governador de Sergipe, também fez coro à questão – disse que o caso “é interesse das elites, de setores da imprensa, de pessoas do Judiciário e do Ministério Público, dos setores mais ricos, para desmoralizar o homem público que promoveu os mais pobres e a classe trabalhadora”.
Logo, o discurso se espalhou. As elites voltaram a ocupar os holofotes, presente em cada discurso governista na última semana e repetido exaustivamente nas redes sociais.
Mas qual elite, exatamente? Aquela que está, assim como Lula, no centro dos escândalos? Marcelo Odebrecht é o 9º brasileiro mais rico na lista da Forbes; André Esteves é o 15º. Ao lado de outros tantos milionários, eles hoje fazem companhia a Lula nas páginas policiais da Lava jato. Essa elite não apenas foi parte importante de seu governo – e de seus escândalos – como está ligada a denúncias de favores prestados ao ex presidente, seus filhos e seu instituto. Lula, não bastasse, é acusado de ter atuado como lobista dessa mesma turma ao redor do mundo.
Ou seria a elite dos banqueiros? Porque essa, em especial, nunca ganhou tanto dinheiro quanto com os governos Lula e Dilma. A atual presidente, não por acaso, foi a candidata que mais recebeu doações de campanha dos grandes bancos na última eleição.
5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
A dúvida ainda persiste. Qual elite? Boa parte dos homens mais ricos do país são declaradamente contrários ao impeachment da presidente Dilma. Muitos deles enriqueceram graças aos empréstimos subsidiados pelo governo – nos últimos anos, o BNDES concedeu 70% de seus empréstimos para pífio 1% das empresas, aquelas de grande porte cujo faturamento ultrapassa R$ 300 milhões por ano, permitindo a algumas poucas e nobres famílias um valor equivalente ao que destinava a pagar o Bolsa Família para 40 milhões de beneficiários.
A questão permanece sem resposta. Há uma elite perseguindo Lula, aparentemente. Quem quer que seja, porém, age na surdina. E pior: estupidamente não atua num governo que sempre agiu para defender seus interesses.

2. “SÓ O PT É INVESTIGADO”

5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Essa é uma indignação recorrente. E atende não apenas aos petistas de carteirinha – aqueles que militam na sede do partido, que se vestem de vermelho e entregam santinhos em tardes ensolaradas de eleição – mas a outra espécie um pouco mais envergonhada, menos interessada em assumir a posição de apoio ao governo – a do isento governista (e falarei mais sobre essa espécie em outra oportunidade). Pra essa turma, há algo inegável acontecendo na Lava Jato: o PT paga o pato por uma culpa que está muito longe de ser completamente sua.
Renato Janine Ribeiro, ex-Ministro da Educação, levantou a bola.
“Por que tantos querem que a investigação foque só o PT? A apuração não deve ser ampla, geral e irrestrita?”
E é, Renato. A operação Lava Jato investiga políticos de diferentes partidos, como Eduardo Cunha (PMDB), Renan Calheiros (PMDB), Fernando Collor (PTB), Romero Jucá (PMDB), Ciro Nogueira (PP), e tantos outros. Políticos como Pedro Corrêa (PP) e Luiz Argôlo (Solidariedade) já foram até presos pela operação. O Partido Progressista (PP) é o campeão entre os políticos investigados.
Na Lava Jato, conforme cita o Ministério Público Federal, “grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da Petrobras e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados”. Entendeu? É exatamente por isso que o PT chama mais atenção que os partidos de oposição aqui: porque é ele quem controla, há mais de uma década, a maior parte da máquina pública federal, e não a oposição. Junto com o PMDB e o PP, partidos que fazem sustentação política ao seu governo, o PT construiu sua base burocrática dentro da Petrobras – tanto indicando diretores e conselheiros, quanto operadores do esquema.
5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Isso significa que a oposição não tem problemas de corrupção? Muito pelo contrário. Tem. E não por acaso, também paga o preço por isso. Eduardo Azeredo, ex-governador tucano de Minas Gerais, foi condenado recentemente a 20 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro pelo caso que ficou conhecido como mensalão mineiro. Outro exemplo? O Ministério Público de São Pauloestá investigando um esquema de desvio de dinheiro de merenda escolar no estado (entre os investigados estão o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo e o ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governador Geraldo Alckmin).
Por que os escândalos da Lava Jato chamam mais atenção que esses? Porque são esquemas envolvendo a máquina pública federal, que é do interesse de todo mundo – e com valores muito maiores. Para o ex-presidente do Tribunal de Contas da União, o ministro Augusto Nardes, o escândalo na Petrobras é o maior esquema de corrupção da história do país. Para o Ministério Público Federal, a Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. É muita grana. Segundo o coordenador da força-tarefa da operação, as propinas pagas desviadas dos cofres da Petrobras somam mais de R$ 6,2 bilhões (valor 60 vezes maior que o escândalo do Mensalão).
Como os valores envolvidos e o nível de complexidade do esquema demonstram: se a corrupção é uma arte desempenhada inegavelmente por todos os partidos do país, ninguém constrói esse quadro com a excelência do PT. E é por isso que ele está no coração da indignação nacional.

3. “O PT É VÍTIMA DE UM ESTADO DE EXCEÇÃO”

5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Estado de exceção. Ou quase isso. É o momento que vive o país, segundo os petistas. Para Rui Falcão, presidente do partido, a Lava Jato torna explícito que “há um risco efetivo de se gestar aqui um embrião do estado de exceção dentro do estado de direito”. E Falcão não é o único a dizer isso. Para Lula, o país vive “quase um estado de exceção“. Para Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB, a condução coercitiva do ex presidente mostra “mais um passo na consolidação do estado de exceção“. Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, completa o coro e repete a expressão, dizendo que a “condução de Lula completa estado de exceção não declarado”.
Mas o que é afinal um estado de exceção? Se você fugiu daquela aula de história sobre a ditadura militar brasileira, a gente explica: é uma situação de restrição de direitos, decretada normalmente em situações de emergência nacional que, durante sua vigência, aproxima aquele que até então era um Estado sob um regime democrático, num regime autoritário. Mas, então – se nós vivemos um estado de exceção, quem é o responsável por isso?
Ninguém. O Brasil vive há 13 anos governado pelo partido que acusa um estado de exceção não declarado. Até o final do mandato Dilma, o PT terá indicado 8 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal e 30 dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça, os dois órgãos máximos do Poder Judiciário brasileiro. O PT também tem as óbvias indicações do procurador-geral da República e do Ministro da Justiça. Até o próximo mês de maio, Dias Toffoli, ex-advogado do partido, é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
No Congresso, o governo possui maioria – os partidos que estavam na chapa que deu vitória à Dilma Rousseff elegeram 304 deputados; os que estavam na chapa da oposição elegeram 127 deputados. A situação se repete no Senado – dos 81 senadores eleitos em 2014, 53 eram da base aliada.
Mas se não existe, por que é dito? Simples. Estado de exceção aqui é apenas um discurso político para achacar a independência do Judiciário e pressionar a opinião pública a encarar as investigações da Lava Jato como inconstitucionais. Lorota. Dessa forma, qualquer prisão torna criminosos em mártires, e presos comuns em presos políticos. É a única alternativa para manter o projeto político ainda aceso.

4. “NUNCA SE INVESTIGOU TANTO QUANTO HOJE”

5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Esse é outro discurso comum. Ao longo dos últimos anos, a presidente Dilma insistiu em dizer que nunca ninguém mandou tanto a Polícia Federal investigar casos de corrupção como ela. Segundo Dilma, a Polícia Federal integra o seu governo e atua com total liberdade. Mas a realidade é um pouquinho diferente: a Polícia Federal não depende em nenhum momento da autorização de nenhum político para fazer o seu trabalho. Pelo contrário. Pela Constituição, a PF tem autonomia para conduzir investigações e inquéritos, da mesmíssima forma que fez por toda sua história ao longo de diferentes gestões federais.
O que o governo pode fazer aqui, pelo contrário, é impedir inconstitucionalmente o trabalho das investigações. E é exatamente disso que o governo Dilma vem sendo acusado de fazer em relação à Lava Jato.
Lembra da prisão do Delcídio? Pois é. Ela aconteceu sob a acusação de que ele estava tentando obstruir as investigações da Lava Jato. Pego, Delcídio, ainda líder do governo no Senado, prestou uma suposta delação premiada (ele não pode confirmá-la, com o risco de perder sua delação, caso ela exista, embora o próprio governo já a considere como certa) acusando Dilma de tentar interferir na operação em pelo menostrês oportunidades.
Segundo a IstoÉ, que denunciou o fato, o senador afirmou que um encontro entre Dilma Rousseff, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e o presidente do STF, Ricardo Levandowski na cidade do Porto, em Portugal, em julho do ano passado, teve como tema “a mudança nos rumos da Lava Jato. Contudo, a reunião foi uma fracasso, em função do posicionamento retilíneo do ministro Lavandowski, ao afirmar que não se envolveria”. A segunda tentativa envolveria indicar para uma das vagas no STJ o presidente do TJ de Santa Catarina, Nelson Schaefer. Em contrapartida, o ministro convocado para o TJ votaria pela libertação dos acusados Marcelo Odebrecht e Otavio Azevedo. “A investida foi em vão porque Trisotto se negou a assumir tal responsabilidade espúria. Mais um fracasso de José Eduardo em conseguir uma nomeação”. A terceira foi a nomeação de Marcelo Navarro para o STJ. E isso as que Delcídio teve conhecimento.
O próprio José Eduardo Cardozo decidiu abandonar o Ministério da Justiça com a justificativa de que estava sendo pressionado por lideranças petistas – de modo especial o ex presidente Lula -, para interferir na Operação Lava Jato.

5. “A CULPA É DA MÍDIA”

5 clichs que voc est cansado de ouvir dos petistas sobre a Lava Jato
Essa é a provavelmente a maior cortina de fumaça da história das nossas discussões políticas. E a razão dela atuar com tanta força em tempos de crise é muito simples de explicar. A formação de opinião é uma espécie de jogo de puxar corda, onde cada lado busca criar uma armadilha para o outro – ter a imprensa como a grande vilã do governo gera pressão para o outro lado do cordão, transformando qualquer notícia não favorável a ele num mero exercício golpista de uma oposição midiática. No fim, o discurso é muito parecido com aquele papo de que o judiciário brasileiro cria um estado de exceção não declarado no país (aqui, qualquer condenação ao partido vira perseguição política).
Essa é a última etapa do processo. O crème de la crème da retórica populista. Sabe aquele papo de que a culpa disso tudo é das elites? Não se sustenta num olhar mais apurado. Não apenas Lula, como todos os criminosos envolvidos na Lava Jato, fazem parte de uma elite brasileira que sistematicamente vem apoiando os governos de seu partido. A culpa então é de uma pretensa perseguição ao PT? Muito menos. Toda base governista é investigada e criminalizada pelas ações da Lava Jato. Sem rodeiros, a culpa passa a ser do Judiciário, que cria um estado de exceção no país, certo? Também não. Estado de exceção aqui é apenas um discurso político para pressionar a opinião pública a encarar as investigações da Lava Jato como golpismo jurídico. Ah, então tudo no fim é uma conquista do partido, que manda investigar as operações e limpar a corrupção no país? Piorou. A Polícia Federal é um órgão com autonomia e não depende em nenhum momento da autorização de nenhum político para fazer o seu trabalho. Não bastasse, o governo está envolvido em escândalos de acobertamentos da operação.
Tudo isso em jogo, e buscando sistematicamente passar a culpa adiante a respeito das responsabilidades dos envolvidos naquele que é tratado como o maior caso de corrupção que se tem notícia no país, o vilão se torna aquele que conta toda história aos eleitores. Paradoxalmente, esse aqui é tratado constantemente como um caso de manipulação de massa – quando ele mesmo falsifica a realidade, atacando uma elite midiática (que de fato existe, e usualmente está ao lado do poder, recebendo bilhões em publicidade) em nome de uma elite política, que quase nunca é encarada também como uma elite.
É uma massa manipulada pregando contra a manipulação das massas. Como em todos os clichês apresentados aqui: uma lista de desculpas esfarrapadas, de meias verdades, de mentiras escancaradas feitas para sustentar uma realidade paralela, repetida incansavelmente nos palanques e nas redes sociais como a verdade libertadora, aquilo-queaimprensa-não-conta. E que não se sustenta, ao olhar mais apurado, pela única razão de que a maior oposição aos petistas não reside na imprensa, no Judiciário, na elite ou no trabalho dos tucanos.

Sua grande desgraça é um troço chamado realidade.

Breve resumo do primeiro mandato de Lula Breve resumo do primeiro mandato de Lula



lula 2003Já que, enfim, Lula está sendo enquadrado pela justiça, creio ser pertinente fazermos um breve resumo do seu primeiro mandato, no qual foi iniciada a degradação política e institucional que enoja a sociedade brasileira.
2003.
Em 1° de janeiro, a cerimônia de posse foi precedida por shows de música que entreteram 100 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios.
No Congresso Nacional, diante de uma plateia que contava com as presenças de Fidel Castro e de Hugo Chaves, Lula utilizou seu discurso para filosofar sobre honestidade e ética. “Ser honesto é mais do que não roubar; é também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos”, disse. Foi aplaudido de pé.

Na mídia, não havia espaço para nada além da celebração do “homem do povo” que havia chegado à Presidência da República.
No Parlatório, um sorridente Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial à Lula como quem passa o comando da churrasqueira ao melhor amigo.
No Palácio do Planalto, uma grande festa organizada pelo marqueteiro Duda Mendonça (ex-marqueteiro de Paulo Maluf) foi oferecida às delegações estrangeiras e a convidados especiais.
O primeiro time ministerial promoveu as primeiras bizarrices do governo Lula, destacando-se as propostas de se dar “uso mais social” às forças armadas. O ministro dos esportes propôs abrir os quarteis para práticas esportivas. O ministro dos transportes propôs mandar o exército construir estradas. O ministro da educação propôs utilizar o exército para erradicar o analfabetismo. O exército foi indicado até para acabar com a pobreza.
Ao mesmo tempo em que reafirmava o compromisso de erradicar a miséria, Lula criava secretarias, distribuía cargos e dava plena liberdade para seus companheiros se utilizarem do dinheiro público como bem quisessem. Quanto mais próximo ao presidente, mais liberdade se tinha. Gastos, de todos os tipos, foram multiplicados em questão de meses. Apenas o Palácio do Planalto gastou, por meio dos cartões corporativos, R$ 125 milhões naquele ano.
Ficava evidente o caráter demagógico do PT. Quando Fernando Henrique Cardoso criou os tais cartões corporativos, os petistas prometeram investigar seus gastos assim que pudessem. Logo após Lula tomar posse, o sigilo desses gastos passou a ser uma questão de segurança nacional.
Evidenciou-se também a estratégia de calar adversários entregando-lhes nacos do poder. Ciro Gomes, o mais ferrenho crítico do PT durante a campanha eleitoral do ano anterior, na qual também era candidato à presidência, aquietou-se logo que recebeu de presente o Ministério da Integração Nacional, criado especialmente para ele.
Comprovando que socialistas gostam mesmo é de luxo pago com dinheiro dos outros, uma das providências do novo governo foi reformar e reaparelhar a Granja do Torto e o Palácio do Planalto. Aviário e sala de ginástica foram construídos. Numa das listas de compras, constavam 2 mil latinhas de cerveja, 610 garrafas de vinho, 150 jogos de cristais lapidados a mão, 600kg de bombons, 2 mil vidros de pimenta envelhecidas em barril de carvalho e 6 mil barras de chocolate. Enxovais novos também foram encomendados, destacando-se os roupões feitos de fios egípcios.
Lula não esperou chegar nem na metade de seu primeiro ano no poder para assinar um decreto que dava total poder ao Ministro da Casa Civil, José Dirceu, para criar cargos de confiança e nomear quem quisesse para ocupá-los. Resultado: 15 mil cargos criados em oito meses de governo.
O jeito petista de distribuir cargos foi simbolizado pela nomeação de Paulo Okamoto a uma das diretorias do SEBRAE. O detalhe é que o agraciado havia pago despesas pessoais de Lula no ano anterior − dois anos depois, Okamoto foi alçado à presidência da empresa e em 2011 ajudou a fundar o Instituto Lula, do qual é o atual presidente.
Não havia pudores. Como diretora do Instituto Nacional do Câncer, foi nomeada uma senhora cuja experiência se resumia a pasta de parques e jardins da prefeitura do Rio de Janeiro.
No esforço de se apagar da história toda e qualquer medida positiva do governo anterior, os programas sociais criados por FHC foram unificados e batizados como Bolsa Família, nome dado por Duda Mendonça.
Pouco antes, fora criado o programa Fome Zero, que consumiu R$ 24 milhões para ser idealizado, mas que foi lançado sem ter sequer uma conta bancária aberta para receber as doações. Para gerenciá-lo, foram criadas seis secretarias e um ministério. A Secretaria da Mobilização Social foi instalada no Palácio do Planalto, mas ficou ali por pouco tempo. Algumas semanas. Assim que o programa foi anunciado, o gabinete foi transferido para um anexo na esplanada. Em seu lugar foi instalado o “gabinete” da primeira-dama, Marisa Letícia, uma inovação do governo petista.
O programa Fome Zero fracassou, assim como o programa Primeiro Emprego que, após um ano, havia criado menos de 600 empregos.
João Paulo Cunha, então Presidente da Câmara, também inovou ao chamar o batalhão de choque da PM para conter as manifestações contra a reforma da previdência. Pela primeira vez na história do Brasil, a polícia desceu o pau dentro do Congresso Nacional.
O primeiro petista corrupto a ser agraciado com a proteção do governo foi o então governador de Roraima, acusado pela Polícia Federal de ter desviado nada menos do que R$ 200 milhões.
O primeiro petista a abandonar o partido foi Fernando Gabeira, indignado com a complacência de Lula em sua visita a Cuba na época em que Fidel Castro havia mandado fuzilar três e condenado à morte quatro opositores.
A primeira reunião do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores desde que Lula havia sido eleito ocorreu num luxuoso hotel de Brasília. Nela se definiu a aliança com o PMDB. José Sarney, de histórico vilão foi convertido a aliado importante e muito bem recompensado. Só em seu estado, o coronel maranhense indicou 36 pessoas para cargos em órgãos federais.
A generosidade com que Lula tratava seus apoiadores provocou uma onda migratória no Congresso. Só não foi para a base do governo quem não quis. O PMDB passou de 69 para 77 deputados. O PTB passou de 41 para 55. O PP passou de 43 para 47. O PL passou de 33 para 43. O PSDB e o PFL (DEM) perderam 12 e 8 deputados, respectivamente.
Lula bateu todos os recordes de viagens. A países do terceiro mundo e sem relevância comercial, foram 21 visitas, sempre levando centenas de pessoas nas comitivas. Perdoou dívidas, anunciou financiamentos e fez doações a ditaduras africanas.
Parecendo ainda estar em clima de campanha, Lula era visto quase todos os dias em algum palanque esbravejando contra as elites e elogiando a si mesmo.
2004.
Seu segundo ano na presidência começou com o Ministério do Planejamento anunciando a substituição do avião presidencial, conhecido como “sucatão”. Uma ideia rejeitada por Fernando Henrique Cardoso sob o argumento de contenção de despesas. Lula optou por um modelo da Airbus em vez de um modelo semelhante, fabricando pela Embraer. Foram gastos R$ 57 milhões na compra da aeronave e U$ 13 milhões em sua decoração.
No mês de fevereiro eclodiu o primeiro o escândalo de corrupção envolvendo o poder executivo. Waldomiro Diniz, assessor de José Dirceu, foi flagrado em vídeo cobrando propina para o PT e para ele próprio. Foram apenas dois dias de desconforto. Logo Lula e toda a militância petista saíram em defesa do acusado. Semanas depois, também veio a público o envolvimento de Delúbio Soares, tesoureiro do PT.
Iniciava-se uma longa e contínua pauta política-policial envolvendo membros graúdos do Partido dos Trabalhadores.
Um mês depois da divulgação da fita do Waldomiro, o governo conseguiu impedir a criação da CPI que investigaria a morte do petista Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, cujo assassinato era visto por muitos como queima de arquivo, já que a vítima foi apontada pelo seu próprio irmão como membro de um esquema de cobrança de propina em benefício de campanhas do PT.
Para impedir que o assunto dominasse a mídia, foi anunciada a Expo Fome Zero, um evento que daria pauta positiva ao governo. O detalhe é que o evento seria organizado pelo Ministério da Segurança Alimentar, extinto semanas antes. Lula fez uma dúzia de discursos sobre o evento que não foi realizado.
As inovações petistas continuavam: Lula foi o primeiro Presidente da Republica pós-regime militar a expulsar um jornalista do país. A vítima foi Larry Rotter, do New York Times, que ousou escrever uma matéria sugerindo que Lula bebia demais.
No mesmo mês de maio a Polícia Federal desencadeou a Operação Vampiro, que levantou um desvio de mais de R$ 2,3 bilhões dos cofres públicos. Entre os envolvidos, o então ministro Humberto Costa (atual líder do governo no senado) e novamente Delúbio Soares, posteriormente condenado no processo do mensalão.
Veio a público também que o petista José Mentor (hoje investigado pela Operação Lava Jato) se utilizava de documentos e informações da CPI do Banestado, da qual era o relator, para extorquir empresários.
Desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto, o uso da máquina estatal e do dinheiro público passou a ser um procedimento tão rotineiro que os petistas não se davam nem ao trabalho de esconder seus feitos. Um exemplo: Para angariar fundos para a construção de sua sede em São Paulo, o PT promoveu um show privê do Zezé de Camargo e Luciano numa famosa churrascaria e mandou o Banco do Brasil comprar os ingressos ao custo de R$ 1 mil cada um.
Entre os absurdos cotidianos e as sistemáticas negações e retóricas de Lula e do PT, o governo tentou aprovar o Conselho Federal de Jornalismo, eufemismo para órgão de censura, que teria a missão de “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade dos jornalistas, prevendo um código de conduta e penas para os infratores.
Era apenas o segundo ano de governo e os petistas já se sentiam acima da lei, da ética e da moral. Quando um vereador petista foi preso numa rinha de galo na companhia de Duda Mendonça, tudo foi resolvido com um telefonema dado pelo marqueteiro ao ministro da justiça. O flagrante não provocou o repúdio de nenhum artista e de nenhum grupo de defesa dos direitos dos animais. Na imprensa, o caso mereceu pouca atenção.
Era ano de eleições municipais e o Partido dos Trabalhadores nunca se vira com tanto dinheiro em caixa. Desde que Lula foi eleito, seus recursos foram multiplicados. Em 2004, o PT gastou em suas campanhas mais de R$ 100 milhões de reais, enquanto PSDB, PFL (atual DEM) e PMDB gastaram, somados, R$ 90 milhões. Em São Paulo, a campanha da Martha Suplicy à prefeitura contratou 4 mil cabos eleitorais.
A quase totalidade da imprensa negou-se a fazer um simples questionamento: De onde vinha o dinheiro?
O clima eleitoral desviou o foco da notícia dos 800 kg de camarão comprados pelo ministério da defesa de uma só vez, mas bastou as eleições terminarem para a Polícia Federal deflagrar a Operação Pororoca, enquadrando petistas até então anônimos no crime de desvio de mais de R$ 100 milhões, no Amapá.
Foi nesse ano que Lula gravou seu bordão “Sou brasileiro, não desisto nunca”. Bordão coerente com os dias em que vivemos hoje, com o próprio Lula insistindo em ser visto e tratado como Deus.
2005.
A primeira grande notícia do ano foi o anúncio de que Lula pagaria a dívida do país com o FMI. Foi assim mesmo que foi anunciado. Não seria o governo que pagaria a dívida. Seria Lula. Porque Lula quis. Porque Lula é bom. Porque Lula quer o melhor para o Brasil. Mas as comemorações não duraram muito. Logo explodiria o escândalo dos Correios, que levaria ao escândalo do mensalão, escancarando o jeito petista de governar.
Todos os esquemas foram publicados em jornais e revistas e noticiados na televisão devidamente amparados por vídeos, documentos, extratos bancários e testemunhos de pessoas ligadas ao PT e ao Presidente da República. Duda Mendonça afirmou ao vivo e para todo o Brasil que a campanha de Lula à presidência foi paga com dinheiro ilegal, vindo de contas no exterior, um crime descrito em lei e que previa – e ainda prevê − como pena o cancelamento do registro do partido e a cassação da chapa eleita.
Houve quem dissesse que aquele era o fim do PT e do governo Lula. Alguns petistas bandearam-se para outros partidos da esquerda. O Ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, respondeu as acusações dizendo que tudo não passava de uma tentativa de golpe das elites.
Outros esquemas vieram a público. Desvio de dinheiro em Furnas, na Infraero e na Eletronuclear. Desgraça do PT e de Lula? Não. Ambos se safaram com extrema desenvoltura. Aos parlamentares, foram liberados R$ 400 milhões, cifra elevada considerando que o governo repassou a todos os ministérios, nos cinco primeiros meses daquele ano, R$ 271 milhões.
Apesar da pesquisa divulgada pelo Datafolha publicada em 5 de junho, que dizia que 65% dos entrevistados consideravam o governo corrupto, Lula contava com a defesa de sindicatos, artistas, intelectuais, movimentos sociais e da maioria dos meios de comunicação.
Em discurso transmitido em cadeia nacional, Lula disse que a corrupção era uma vergonha, mas que nem seu governo nem ele tinha qualquer relação com isso. Lula assumiu que houve caixa-dois em sua campanha, porém, disse que seria hipocrisia ser condenado por algo que “todo mundo faz”.
Os partidos vistos como “oposição” preferiram se conter para não serem vistos como oportunistas e golpistas. FHC e Aécio Neves não tiveram vergonha em defender Lula. Na grande mídia, não se contava nem meia dúzia de jornalistas que se manifestavam contra os métodos coercivos do governo.
Por conta do escândalo do mensalão, José Dirceu se viu obrigado a deixar a Casa Civil. Despediu-se do cargo com a clássica retórica petista: “A elite reacionária quer derrubar o governo socialista e popular do presidente Lula”. Foi substituído por uma tal Dilma Rousseff.
Foi nesse ano que aconteceu o Foro de São Paulo, evento bancado com dinheiro público brasileiro e que reuniu na capital paulista a mais alta corja do socialismo latino-americano. Foram traçados os planos para que partidos de esquerda chegassem ao poder noutros países e acertados acordos de ajuda mútua.
Na França, aconteceu o “Ano do Brasil”. Os diversos eventos que foram realizados no país justificaram uma verdadeira farra com dinheiro público brasileiro. Hordas de artistas, intelectuais, de funcionários públicos, de ativistas e de políticos foram enviadas ao berço da intelligentsia socialista. Aproveitando-se do clima, o governo brasileiro assinou mais um acordo em que a França lucrou e o Brasil perdeu: A compra de uma dúzia de caças sucateados.
O sucesso político de Lula contagiava os empreendimentos de seus filhos. Fábio Luiz Lula da Silva, conhecido como Lulinha, teve sua inexpressiva empresa agraciada com a injeção de R$ 5 milhões por parte de uma grande empresa de telefonia exatamente na mesma época em que o governo federal revia as regulações do setor.
Quase no mesmo dia, um assessor de José Genoíno foi preso no aeroporto de Congonhas com R$ 200 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca.
No mês seguinte, Antônio Palocci, então Ministro da Fazenda, foi delatado por um ex-assessor que afirmou que ele recebia uma “caixinha” de R$ 50 mil por mês de uma empreiteira, quando era prefeito de Ribeirão Preto.
Nova pesquisa do Datafolha apontava que 78% dos brasileiros acreditavam que o governo era corrupto.
Lula continuava a ser um paradoxo político. Mantinha-se forte no governo apesar da maioria da população crer que ele tinha conhecimento dos esquemas de corrupção que estampavam os jornais. Lula sustentava-se em três pilares: Militância forte, coesa, bem remunerada e distribuída em todos os nichos sociais e em todos os níveis do estado; o aparente desenvolvimento econômico e social do Brasil; Bolsa Família.
2006.
O ano começou com o comparecimento de Antônio Palocci à CPI dos Bingos. Foi acompanhado de José Sarney e de Renan Calheiros, que lhe prestaram apoio moral. Na mesma seção, outro ex-assessor de Palocci afirmou que a campanha de Lula à presidência recebeu US$ 3 milhões de Cuba. A acusação repercutiu na mídia por apenas um dia, antes de desaparecer do noticiário.
Dois meses depois, o caseiro de uma mansão em Brasília, utilizada para reuniões políticas e orgias com prostitutas de luxo, declarou em entrevista ao Estadão que Antônio Palocci era um dos frequentadores. Outra testemunha confirmava a acusação. Nas reuniões, eram discutidos os termos dos esquemas de favorecimento entre governo e empresas. Todas as despesas eram pagas em dinheiro vivo, levado em malas.
Lula, bem ao seu estilo, saiu em defesa de Palocci. Desqualificou o caseiro.
Antônio Palocci reagiu mandando a Caixa Econômica vasculhar a vida bancária do rapaz. Os R$ 25 mil descobertos em sua conta foram plantados na mídia como sendo pagamento do PSDB pelo serviço de uma falsa acusação. Não era. O dinheiro fora depositado pelo pai do caseiro, referente a um acordo de reconhecimento de paternidade.
Palocci foi substituído no Ministério da Fazenda por Guido Mantega, até então presidente do BNDES.
Em setembro, dois filiados do PT foram detidos num hotel em São Paulo com nada menos do que R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo que, segundo eles, seria utilizado para comprar um falso dossiê sobre José Serra.
Enquanto Lula, diante dos holofotes, repudiava a ação de seus companheiros, seu governo tratava de abafar o caso para que o episódio não respingasse na campanha eleitoral em curso.
Sua campanha à reeleição foi baseada na estratégia de fazer falsas e sistemáticas afirmações sobre o adversário para obrigá-lo a perder mais tempo desmentindo-as do que falando de seus projetos. Alckmin teve que repetir mil vezes que não privatizaria a Petrobrás. Lula foi reeleito.
A fantástica versão da realidade social e econômica martelada cotidianamente na cabeça dos brasileiros escondia números em nada elogiáveis. Desemprego em 8,4%. Crescimento econômico abaixo da média mundial e quase a metade da média dos países do chamado BRICs. Os índices de saneamento básico, de educação, de saúde e de segurança pública continuavam tão vergonhosos quanto antes da chegada de Lula ao poder.
Em apenas um mandato, Lula concentrou a produção econômica nas mãos do estado como nenhum outro governo havia feito após o regime militar. A participação do governo no setor petroquímico passou de 46% para 63%; nas termelétricas, pulou de 11% para 44%; na distribuição de combustíveis, foi de 24% para 32%. A indústria como um todo perdeu 10% para o agronegócio.
A política intervencionista do governo Lula não se dava apenas através de regulações e do aparelhamento das estatais. Por meio do BNDES, o governo passou de 24 participações em empresas privadas em 2002 para 37 em 2006.
Os altos preços das commodities engordaram o caixa da União na mesma proporção em que o governo injetava dinheiro nas maiores empresas do país, nos sindicatos, nos movimentos sociais, na imprensa chapa-branca e na classe artística. O pouco que sobrava era dividido entre programas sociais e projetos de infraestrutura.
A “redução da pobreza” festejada pelo governo se deu por causa da mudança dos critérios de avaliação, que fez com que milhões de pessoas fossem alçadas, do dia para a noite, da classe baixa para a classe média. Engodo. Não houve nem uma coisa nem outra. Não havia toda a pobreza anunciada e os miseráveis que existiam não se tornaram outra coisa.
Na época, o IBGE divulgou uma pesquisa que indicava que apenas 4% da população se encontrava na extrema pobreza quando Lula chegou ao poder. Ou seja: Lula não herdou um país assolado pela miséria. A título de comparação, o Haiti contava com 19% de miseráveis, a Etiópia com 38% e a Índia com 49%.
Sim, 4% da população representava, naqueles anos, quase 4 milhões de pessoas. É muita gente. Porém, essas pessoas continuavam miseráveis ao final do primeiro mandato de Lula. Nada mudou. O sertão nordestino continuava do jeito que sempre foi.
Lula foi reeleito dizendo que ele havia mudado o Brasil, quando na verdade a maior parte da população continuava vivendo em bairros insalubres e sendo assistida por péssimos serviços públicos. A única diferença era que, como “nunca antes na história desse país”, milhões de pessoas pobres puderam comprar televisores modernos para ver novela e futebol.
O Instituto Data Favela publicou, em 2014, uma pesquisa que registra que para 96% dos moradores das favelas brasileiras, NÃO foi o governo o responsável por sua melhoria de vida. 40% creditavam a Deus, 42% a si mesmos e 14% a ajuda da família.
A “inclusão social” que também era comemorada por Lula foi uma bem-sucedida estratégia para desviar o foco sobre a péssima qualidade do ensino público. Em vez de melhorar o ensino básico para que os estudantes mais pobres tivessem mais condições de competir por vagas nas universidades públicas, Lula preferiu criar programas de cotas. Comprovando o caráter discriminatório do socialismo, estudantes mais capacitados perderam vagas para estudantes menos capacitados em função da tonalidade da pele. Lula reinstitucionalizou o racismo no Brasil.
Completando a política da “inclusão social” do PT, foram promovidos inúmeros concursos, contribuindo para o inchaço das contas públicas e jogando no lixo todo o esforço do governo anterior em equilibrar as contas da União.
Por fim, o objetivo de Lula de se diferenciar de seu antecessor não foi totalmente atingido. Lula gastou em propaganda o mesmo que FHC. Média de R$ 1 bilhão por ano.


Bibliografia recomendada:

Aldo Musacchio e Sergio Lazzarini, Reinventando o capitalismo de estado.
Marco Antônio Villa, Década perdida.
Paulo Rabello de Castro, O mito do governo grátis.
Renato Meirelles e Celso Athayde, Um país chamado favela.
Diogo Mainardi, A tapas e pontapés.
Diogo Mainardi, Lula é minha anta,
Lucia Hippolito, Por dentro do governo lula.
Rodrigo Constantino, Estrela cadente.
Reinaldo Azevedo, O país dos petralhas (I e II).
Bruno Garschagem, Pare de acreditar no governo

Prisão após 2ª instância: quais ministros do STF mudaram de opinião – e de voto?

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de conceder uma liminar monocrática autorizando presos condenados em segunda instância a ped...