Como muitos leitores e quase todos os militantes não sabem
muito bem que diabos é isso de “direita” e “esquerda” de que todo mundo
fala, convém “eternizar” aqui no blog um post para esclarecer afinal
esses dois conceitos básicos tão presentes no dia a dia do debate
público no Brasil e no mundo. Eis a melhor síntese a respeito já
publicada em nosso país. Volto em seguida:
(…) Normalidade democrática é a concorrência efetiva, livre,
aberta, legal e ordenada de duas ideologias que pretendem representar
os melhores interesses da população: de um lado, a “esquerda”,
que favorece o controle estatal da economia e a interferência ativa do
governo em todos os setores da vida social, colocando o ideal
igualitário acima de outras considerações de ordem moral, cultural,
patriótica ou religiosa. De outro, a “direita”, que
favorece a liberdade de mercado, defende os direitos individuais e os
poderes sociais intermediários contra a intervenção do Estado e coloca o
patriotismo e os valores religiosos e culturais tradicionais acima de
quaisquer projetos de reforma da sociedade.
Representadas por dois ou mais partidos e amparadas nos seus
respectivos mentores intelectuais e órgãos de mídia, essas forças se
alternam no governo conforme as favoreça o resultado de eleições livres e
periódicas, de modo que os sucessos e fracassos de cada uma durante sua
passagem pelo poder sejam mutuamente compensados e tudo concorra, no
fim das contas, para o benefício da população.
Entre a esquerda e a direita estende-se toda uma zona
indecisa de mesclagens e transigências, que podem assumir a forma de
partidos menores independentes ou consolidar-se como política permanente
de concessões mútuas entre as duas facções maiores. É o “centro”,
que se define precisamente por não ser nada além da própria forma geral
do sistema indevidamente transmutada às vezes em arremedo de facção
política, como se numa partida de futebol o manual de instruções
pretendesse ser um terceiro time em campo.
Nas beiradas do quadro legítimo, florescendo em zonas fronteiriças entre a política e o crime, há os “extremismos” de parte a parte: a extrema esquerda
prega a submissão integral da sociedade a uma ideologia revolucionária
personificada num Partido-Estado, a extinção completa dos valores morais
e religiosos tradicionais, o igualitarismo forçado por meio da
intervenção fiscal, judiciária e policial. A extrema direita
propõe a criminalização de toda a esquerda, a imposição da uniformidade
moral e religiosa sob a bandeira de valores tradicionais, a
transmutação de toda a sociedade numa militância patriótica obediente e
disciplinada.
Não é o apelo à violência que define, ostensivamente e em
primeira instância, os dois extremismos: tanto um quanto o outro admitem
alternar os meios violentos e pacíficos de luta conforme as exigências
do momento, submetendo a frias considerações de mera oportunidade, com
notável amoralismo e não sem uma ponta de orgulho maquiavélico, a
escolha entre o morticínio e a sedução. Isso permite que forjem
alianças, alternadamente ou ao mesmo tempo, com gangues de delinqüentes e
com os partidos legítimos, às vezes desfrutando gostosamente de uma
espécie de direito ao crime.
Não é uma coincidência que, quando sobem ao poder ou se
apropriam de uma parte dele, os dois favoreçam igualmente uma economia
de intervenção estatista. Isto não se deve ao slogan de que “os
extremos se tocam”, mas à simples razão de que nenhuma política de
transformação forçada da sociedade se pode realizar sem o controle
estatal da atividade econômica, pouco importando que seja imposto em
nome do igualitarismo ou do nacionalismo, do futurismo utópico ou do
tradicionalismo mais obstinado. Por essa razão, ambos os extremismos são sempre inimigos da direita, mas, da esquerda, só de vez em quando.
A extrema esquerda só se distingue da esquerda por uma questão de grau (ou de pressa relativa), pois ambas visam em última instância ao mesmo objetivo. Já a extrema direita e a direita, mesmo quando seus discursos convergem no tópico dos valores morais ou do anti-esquerdismo programático, acabam sempre se revelando incompatíveis em essência:
é materialmente impossível praticar ao mesmo tempo a liberdade de
mercado e o controle estatal da economia, a preservação dos direitos
individuais e a militarização da sociedade.
Isso é uma vantagem permanente a favor da esquerda:
alianças transnacionais da esquerda com a extrema esquerda sempre
existiram, como a Internacional Comunista, o Front Popular da França e,
hoje, o Foro de São Paulo. Uma “internacional de direita” é uma
impossibilidade pura e simples. Essa desvantagem da direita é compensada
no campo econômico, em parte, pela inviabilidade intrínseca do
estatismo integral, que obriga a esquerda a fazer periódicas concessões
ao capitalismo.
Embora essas noções sejam óbvias e facilmente comprováveis
pela observação do que se passa no mundo, você não pode adquiri-las em
nenhuma universidade brasileira (…).
VOLTEI.
Isto que vai acima é um trecho do artigo “Democracia normal e patológica – 1“,
de Olavo de Carvalho, publicado no dia 5 de outubro de 2011 no Diário
do Comércio e incluído por mim no capítulo “Democracia” do nosso best
seller O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota,
o livro que esclarece essas e outras questões sobre a experiência
individual, mental, social, cultural, política e intelectual brasileira.
Se você não quer ser uma Luciana Genro
ou qualquer militante do PSOL, que usam conceitos como rótulos apenas
para atacar adversários ou fazer os velhos aliados parecerem mais
moderados do que são (como ao chamar o PT de “direita”), entender o que
os conceitos realmente significam na realidade é fundamental para se
conectar com ela. (E aos inocentes úteis, nunca é demais lembrar que o
governo militar brasileiro foi estatizante, o que é um aspecto
esquerdista, embora a esquerda insista em rotulá-lo como exemplo-mor de
direitismo aplicado.)
A democracia no Brasil ainda está doente, como mostram mais
uma vez as eleições deste ano, disputadas por três candidatos apenas de
esquerda (Dilma, Marina e Aécio), mas para curá-la não há dúvida de que é
preciso primeiro saber identificar a doença.
Felipe Moura Brasil
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