A aceitação da denúncia contra o deputado Bolsonaro é jurídica ou eminentemente política?

O assunto tornou-se bastante controverso, tendo suas hashtags fixadas nos trends tópics do Twitter mundial.
A pergunta é uma só. Está correta a denuncia do deputado Jair Bolsonaro? A resposta é indubitavelmente NÃO.
Inicialmente, cumpre analisar o tipo penal no qual o Deputado foi incurso: Incitação ao crime.
Ao teor do Art. 286 do Código penal, o crime é caracterizado in verbis:
"Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
Incitar, por sua vez, significa estimular, impelir, instigar. Dessa forma, a incitação ao crime estará caracterizada quando o agente estimula publicamente a prática de um crime.
O video gravado pela Redetv, demonstram que a Deputada Maria do Rosário entrou no meio da entrevista dada pelo deputado, e o chamou de estuprador, ele rebateu:
- Eu sou estuprador agora?"
E Ela respondeu:
- sim
Então foi proferida a por ele a famosa frase:
" Jamais estupraria você porque você não merece ".
Na sessão seguinte, quando dada a palavra ao deputado, ela se levantou da bancada e ele exclamou:
- Fica Maria do Rosário, outro dia ela me chamou de estuprador e eu falei que não ia estuprar ela porque ela não merecia isso.
Não é possível raciocinar muito, para verificar que ele foi sarcástico ao dispor que, se ele era estuprador, não estupraria ela, porque ela não merecia (como nenhuma mulher merece).
Das palavras mencionadas, não é possível vislumbrar sequer resquício de incitação ao crime. Se este tivesse dito" Você merece ser estuprada ", estaria fazendo juízo de valor quanto ao" merecimento "de um possível estupro. Ao contrário, rebateu que a Deputada, mesmo sendo sua maior rival, não merecia tamanha crueldade.
Indícios de sua não incitação, está nas propostas do mesmo Deputado, que prevê penas severas ao crime de estupro, o que de cara, já acabaria com o DOLO de promover o mesmo.
Ora, se ele luta por penas severas para o crime de estupro, por quê estaria querendo disseminar o mesmo? É uma contradição que inviabiliza o dolo específico do crime. Importante destacar que por ser crime formal, a ausência de dolo culmina na atipicidade da conduta, visto que inexiste" incitação culposa ao crime ".
Ademais, mesmo que houvesse de fato ocorrido o crime de incitação, por ser delito de menor potencial ofensivo, o Ministério Público havia o DEVER de oferecer proposta de transação penal. Nesse sentido, ensina Damásio Evangelista de Jesus:
"Desde que presentes as condições da transação, o Ministério Público está obrigado a fazer a proposta ao autuado. A expressão, hoje, tem o sentido de dever. Presentes suas condições, a transação impeditiva do processo é um direito penal público subjetivo de liberdade do autuado, obrigando o Ministério Público à sua proposição. No sentido de que se trata de um direito do autor do fato."¹
O próprio STF já consolidou esse entendimento, e inclusive sumulou isso (quanto à suspensão condicional, e aplicou reiteradamente a mesma súmula para a transação). Caso o MP não faça a proposta; o juiz, presentes os requisitos para a transação, a remeterá ao Procurador Geral de Justiça para fazê-lo, em consonância com o art 28 do Código de Processo Penal (sumula 696).
Todavia, a Procuradora Geral da República, deixou de oferecer a proposta, e o STF, ao invés de encaminhar novamente para a PGR, atropelou sua própria súmula e aceitou a denuncia formulada.
O crime vertente é apenado com máximo de 6 meses de detenção ou multa. Quem convive com o direito penal na prática, sabe que, nunca, em nenhuma hipótese, um crime com uma pena tão pequena chegaria a tornar-se uma ação penal.
Não há óbice à transação, e na situação em tela, sequer há justa causa para a instauração de uma ação penal. Assim, não se sabe se a posição do STF foi política ou pessoal, mas sem sequer discutir sobre à" Imunidade Parlamentar ", percebe-se que ela foi completamente desprovida de caráter jurídico.

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos JECRIM. 4ª ed. Revista e ampl. Saraiva, 1997 São Paulo, 97 pág.76

Pós graduando em Direito Tributário pela PUC-MG e em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito.

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