6 perguntas que você precisa saber responder antes de sair falando sobre terceirização



 
com a colaboração de Felippe Hermes.
Você acorda cedo, passa na padaria para comprar pão, frios e leite para o café da manhã, dá banho nos seus filhos, coloca-os no transporte escolar e se arruma para ir ao trabalho. Para evitar o stress do trânsito, decide pedir um desses serviços moderninhos de transporte através de um aplicativo. Chega cedo no trabalho e enfim começa seu dia. Talvez você não tenha notado, mas nem bem duas horas se passaram e você já terceirizou ao menos cinco serviços essenciais do seu dia a dia para completos estranhos.
Do pão ao transporte, seu dia acaba se tornando mais fácil quando deixa para outras pessoas certas tarefas que você provavelmente não seria tão hábil em realizar. Nada disso é novidade. De fato, a tal divisão do trabalho é um conceito mais antigo que a própria existência do Brasil enquanto país independente.
No entanto, quando o assunto parte para empresas tomando a mesma atitude, a coisa parece mudar de figura, ao menos por aqui. Imagine, por exemplo, que julgamos o dono de um veículo que contrate uma empresa (como Uber ou Cabify) para intermediar suas caronas pagas com base em leis criadas em um período no qual mais da metade da população brasileira ainda vivia no campo, em um país onde eletricidade era um luxo restrito a menos de uma em cada três residências.
Para boa parte do mundo, o tema é pauta batida. Coisa da década de 90, quando a globalização pegou pra valer. Governos (inclusive em alguns dos países mais sindicalizados do planeta, Suécia e Noruega) se adaptaram e aprovaram leis para abranger a nova realidade. Nesse meio tempo, a Apple tornou-se a maior empresa do mundo, sem ter que produzir seus próprios iPhones. Produtos mais baratos em países ricos e empregos em países mais pobres.
No Brasil, a discussão emperrou. Passamos os últimos 24 anos definindo o que era ou não a atividade de uma empresa e, portanto, o que poderia ser terceirizado. Na falta de legislação clara, nossa Justiça do Trabalho precisou ser acionada para definir, por exemplo, se plantar laranjas era a atividade principal de uma empresa que produzisse sucos, ou se esta atividade poderia ser terceirizada sem riscos. Toda esta discussão pode enfim deixar de existir, agora que o Congresso desengavetou um projeto de 1998 para regular a situação.
Como era de se esperar, o tema gerou confusão. Entre vídeos de atores globais e manchetes sensacionalistas, não foi difícil se perder nessa história. Mas, no meio de tudo isso, o que há de mito e o que há de verdade? Separamos algumas perguntas que podem ajudar e se localizar neste verdadeiro tiroteio.

1. A terceirização irá reduzir salários?

Parte central da crítica realizada por sindicatos e centrais sindicais, a ideia de que a terceirização termina por reduzir os salários tem sido difundida sem muito rigor. O número mágico, de 24% a menos para o trabalhador no fim do mês, tem estampado de memes a manchetes de jornais e revistas. Mas, afinal, o que há por trás deste estudo?
O estudo compara funcionários incomparáveis. Como bem sabe o leitor, as atividades que hoje podem ser terceirizadas são as chamadas “atividades-meio”: aquelas que não pertencem ao core da empresa. Caso da segurança, alimentação, limpeza, entre outras.
O estudo da CUT compara os salários médios dessas atividades com o salário médio dos trabalhadores efetivamente contratados, mas que não exercem a mesma função.
Para ficar mais fácil: em vez de comparar funcionários de limpeza terceirizados vs contratados, o estudo compara funcionários de limpeza com médicos, professores, diretores, etc.
Em outro estudo, produzido pela Fundação Getúlio Vargas, comparando cargos idênticos ou similares, a diferença foi sensivelmente menor, de cerca de 3% em média, e variando entre 12%, no caso de trabalhadores com baixa qualificação, até valores 5% maiores em casos como trabalhadores da área de segurança.
Na prática, quanto maior sua qualificação, maiores os ganhos alcançados pela terceirização no aumento da sua renda.
Ainda assim, se os ganhos e perdas parecem variar tão pouco, qual é exatamente a utilidade da terceirização para o país?

2. Afinal, qual o ganho da terceirização?

Esclarecer como surgem os salários não é uma tarefa das mais fáceis e, via de regra, explicações como “produtividade” podem parecer vagas diante de outra mais óbvia como a “vontade política” de algum gestor benevolente que sobe seu salário com base na canetada, não é mesmo?
Mas, de fato, a maior parte do seu salário estará intimamente ligada à sua capacidade de produzir riqueza, e quanto mais riqueza for produzida por uma mesma pessoa, melhores serão os salários. Fazer mais com menos. Sabem como é, nada muito diferente daquilo que qualquer dona de casa já está acostumada nestes tempos de crise.
Em um país, não é muito diferente. Na medida em que as empresas passam a se focar em partes específicas do trabalho, tornam-se mais especializadas e produtivas, elevando assim os ganhos em toda sua cadeia de produção.
Ao contratar uma lavanderia para limpar seus lençóis, um hospital reduz a quantidade de procedimentos com os quais tem que lidar e acaba por prestar melhor o serviço que importa, o de atender seus pacientes. Menos recursos indo para a burocracia resultam em maior produtividade.
A otimização dos procedimentos por parte das empresas, por sua vez, resulta em preços menores. Ainda assim, como você já deve ter sacado, nem só de consumir vivem as famílias, é preciso trabalhar. E se essa moda de terceirização atingir você?

3. As empresas irão terceirizar tudo?

Esse medo é calcado numa crença simplista de que é desejável – ou mesmo, possível – terceirizar tudo.
Professores, por exemplo, dificilmente serão terceirizados. Isso porque as escolas e os estudantes valorizam a relação aluno-professor. O professor se acostuma à “cultura de ensino” da escola, sua forma de aplicar provas, monitorias e afins. Não seria eficiente, nem viável, ter uma grande rotatividade no quadro de mestres.
É possível ir além: pense o leitor na limpeza de sua casa. Suponha que você tenha apenas duas opções: 1) contratar uma empregada doméstica; ou 2) contratar uma diarista.
A decisão a ser tomada não é trivial. Há benefícios de se ter uma empregada doméstica: entregar sua casa a alguém de confiança, bem como garantir limpeza e organização todos os dias.
Mas também há vantagens de se ter uma diarista: gasta-se menos e ela só vem quando seus serviços são realmente necessários.
Nas duas opções existem custos a serem considerados: no caso da empregada doméstica, gasta-se mensalmente um valor fixo, ainda que ela não seja requisitada em determinados dias. Afinal, nem sempre a casa está bagunçada.
No caso da diarista, o problema é o oposto: muitas vezes a casa precisa de arrumação, mas não é o dia em que ela vem. Uma diarista em geral também não é responsável pelo preparo das refeições da casa, como são muitas empregadas domésticas.
Da mesma forma, uma empresa terceirizará determinadas partes de sua produção se assim o achar conveniente: se os benefícios superarem os custos e houver ganhos de produtividade e competitividade.
Dizer que as empresas “vão terceirizar tudo” é o mesmo que dizer que todas as pessoas escolheriam a diarista, ou pior, que a cada vez que fossem contratar uma diarista, fariam isto contratando uma diarista completamente nova – o que, obviamente, não é verdade.
Alta rotatividade é, na maior parte das vezes, um inimigo para a produtividade e, consequentemente, para os ganhos das empresas.

4. E o que as empresas ganham com isso?

Imagine, como exemplo, uma fábrica e um escritório, ambos contratantes de funcionários de limpeza terceirizados.
A fábrica está passando por tempos difíceis e não precisa mais de tanto pessoal assim.
O escritório, por sua vez, está em franca expansão e necessita de mais funcionários para arrumação. Como são terceirizados, a fábrica pode facilmente dispensar aquele pessoal que hoje trabalha por lá e eles poderão ser rapidamente realocados para onde serão mais necessários (no caso, o escritório).
Sem a terceirização, a fábrica teria que demitir os funcionários e arcar com todos os custos dessa demissão. Eles – os trabalhadores – passariam a receber todos os benefícios aos quais têm direito, e dificilmente aceitariam um novo emprego rapidamente, a menos que recebessem um salário artificialmente mais alto (incompatível com a produtividade). O resultado é aumento de custos, perda de eficiência e de produtividade.
Tome como exemplo outro caso: uma pequena construtora de prédios e apartamentos. Ela “terceiriza” a venda dos apartamentos, deixando-a por conta das imobiliárias; terceiriza o projeto para escritórios de arquitetura; e pode muito bem terceirizar o financiamento destes mesmos imóveis a um banco.
É eficiente que esta empresa contrate azulejistas, eletricistas, marceneiros e afins, mesmo sabendo que irá erguer por exemplo, um prédio a cada dois anos? Naturalmente, não. Nem sempre está na hora de colocar as instalações elétricas, instalar portas, janelas, etc. Esses funcionários, caso contratados pela empresa, passariam grandes períodos – tanto ao longo do dia quanto ao longo do projeto – sem trabalhar, mas gerando um custo à empresa.
O resultado é um preço final maior para o consumidor, bem como um salário menor para os funcionários citados – já que, obviamente, os períodos sem trabalhar são incorporados na forma de uma remuneração menor.
A construtora, portanto, se beneficiaria da terceirização, reduzindo custos e aumentando a produtividade.
E, de quebra, o país ganharia com maior concorrência. Afinal, construir um prédio teria um custo muito menor. Mais empresas entrariam neste mercado, e os azulejistas e eletricistas, hoje ociosos em parte do tempo, passariam a ter emprego durante todo o ano.

5. Quem é protegido pela CLT?

Outro argumento muito comum contra o projeto de terceirização é aquele que diz “ah, mas a terceirização vai retirar os direitos”. Direitos de quem?
Como bem mostram os dados da PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, apenas 45% dos trabalhadores do setor privado são protegidos pela CLT. Os outros 55% estão à margem das leis trabalhistas, dos “direitos”, da regulação e de todos os benefícios.
Os dados ainda evidenciam que a renda média dos protegidos pela CLT é bem maior que a dos “não-protegidos”. Isso é verdade para todas as regiões do Brasil, excetuando o Sul. E lembre ainda, leitor, que no conjunto dos “não-protegidos” estão vários que trabalham via PJ (as famosas “PJotinhas”) e que, portanto, puxam essa média para cima.
Não é difícil notar, portanto, que a opção para boa parte das pessoas hoje terceirizadas não se dá entre escolher um emprego com carteira assinada e todos os direitos, ou um emprego terceirizado sem direito algum. A opção é menos romântica. Trata-se de escolher entre a informalidade sem direito algum e salários menores, ou um emprego terceirizado com salários mais próximos da CLT e regularizado, de modo que a empresa passe a ser obrigada a garantir alguns direitos.
Tudo isso tem uma razão simples. Para estar sob a CLT, é necessário que cada trabalhador produza 292% do seu salário apenas para bancar benefícios e impostos trabalhistas. Nesse caso, trabalhadores terceirizados pagam menos ao INSS e não recolhem FGTS. Ainda assim, estão dentro da cobertura do INSS, um ganho com relação aos informais.

6. Trabalhar com carteira é sempre vantajoso?

Boa parte dos trabalhadores do Brasil, como mostrado anteriormente, não está sob a égide da CLT. Muitos deles trabalham como Pessoas Jurídicas (PJs), sendo proprietários de empresas (individuais), através das quais emitem notas fiscais aos seus contratantes (clientes).
A vantagem é que, sob esse modelo, paga-se menos impostos, recolhe-se menos FGTS e INSS, e a negociação entre trabalhador (no caso, empresa ofertante) e contratante é mais flexível.
A desvantagem é que não há a garantia dos “direitos” tradicionais: 13º, férias remuneradas, abono salarial, licença-maternidade, etc.
Como mostrado em estudo da FGV, as leis trabalhistas brasileiras geram um custo que é pago pela empresa, mas não é recebido pelo trabalhador: a ele, os autores dão o nome de “custo da legislação trabalhista”. Para entendê-lo, primeiro fazem a pergunta: “qual é o salário equivalente do trabalhador?”, ou, em outras palavras: “quanto o trabalhador desejaria receber se o salário fosse sua única fonte de remuneração?”.
Esse custo, como explicitado pelos pesquisadores, pode chegar a quase 50% do custo total do trabalhador à empresa. Veja:
Sendo assim, muitos preferem “driblar” esse custo e trabalhar sem uma carteira de trabalho, como autônomos.
É o caso dos motoristas do Uber, por exemplo: contratam o aplicativo e eles mesmos montam sua jornada e grade de trabalho, livres de encargos trabalhistas – embora, nesse caso, não trabalhem como PJ.
Importante ressaltar, ao fim e ao cabo, que o projeto aprovado na Câmara recebeu uma emenda (elaborada pelo relator) que prevê a “responsabilização solidária” da empresa contratante:
  1. b) em decorrência do Requerimento de Destaque nº 2, de 2008, foi aprovado o art. 5º-A, acrescentado à Lei nº 6.019, de 1974, pelo art. 2º Substitutivo do Senado, exceto o seu § 5º desse artigo, que foi rejeitado, para restabelecer, em substituição, o art. 10 do texto da Câmara. O dispositivo restabelecido determina que a empresa contratante é solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços;
O que isso quer dizer? Quer dizer que, caso a empresa prestadora se torne inadimplente no pagamento dos direitos trabalhistas do empregado, a empresa contratante é obrigada a ajudar no pagamento dos mesmos.

6 coisas que você deveria saber antes de postar seus comentários políticos na internet


Você caiu nesta página.
E a partir desse clique quase imperceptível num pedaço de plástico é possível dizer que você é desses que se importam com o debate político no seu país. Mais do que isso: muito provavelmente você não anda nada satisfeito com a forma como esse debate é conduzido por aqui.
É, eu entendo.
Política é um negócio complicado – essencialmente identidade de grupo. Em geral, é mais do que a aceitação de uma coleção de ideias ou um convencimento da necessária aplicação – ou ausência – de ações públicas que melhorem o padrão geral da humanidade. Identidade política é também estética, estilo, sensação de pertencimento, target mercadológico.

E é aqui, nesse ponto abstrato, no meio dessas nuvens cinzas subjetivas todas, que a razão sai de campo para dar lugar à emoção. É aqui que tudo embaralha. Tudo isso vira mero futebol, religião, paixão. Vira novela mexicana. Quase sem perceber, nós abandonamos a sensatez criteriosa que exigimos dos nossos adversários e passamos a abraçar cegamente a estupidez dos nossos cúmplices ideológicos. 
Essa é a principal razão pela qual esse artigo foi escrito. Não como um manual de comportamento – longe de mim dizer como você deve ou não se comportar. Mas com a pretensão de estabelecer certos limites racionais para a prática do bom debate, independentemente do seu lado nessa batalha.
Há pelo menos seis pontos, descritos no decorrer desse texto, que todo mundo deveria saber antes de postar seus comentários políticos na internet. E se você se sente um pouco perdido nesse jogo, no meio de um tiroteio de hashtags e gritos de ordem sem sentido, acredite – você não está sozinho nessa.
É hora de esclarecer, não de confundir.

1. Não existe mídia imparcial.

Se você caiu de paraquedas por aqui, sem problema, eu explico. Essa publicação que você está lendo adota assumidamente uma linha editorial liberal. Cada análise produzida aqui parte do pressuposto de que o país construiu, ao longo de sua história, instituições extrativistas que alimentam toneladas de burocracia, uma legislação tributária incompreensível, insegurança jurídica, pouca receptividade à propriedade privada e uma participação inexplicável do Estado na economia – responsável direto pela criação de uma cultura predominantemente clientelista e patrimonialista, pela construção de uma horda de parasitas econômicos, de oligopólios, lobistas e metacapitalistas, e pela transferência histórica de renda dos mais pobres para os mais ricos, catalisador da desigualdade.
Esta publicação também acredita que esse arranjo institucional colaborou ao longo dos anos para criar um ambiente econômico de pouca competitividade, baixa produtividade e tímido crescimento.
Outras publicações, você certamente deve reconhecer, adotam posições diferentes, algumas com visões de mundo completamente antagônicas à nossa. E esse é o grande ponto: não há nada de errado com isso. Motivações ideológicas fazem parte da pluralidade de imprensa e conectam diferentes veículos ao redor do mundo: ora mais à esquerda (como o The Guardian e o The Huffington Post), ora mais à direita (como o Le Figaro e a Fox News), ora mais liberal (como a The Economist e a Reason Magazine). É do jogo.
Claro, tudo isso não apaga o fato de que há uma série de veículos, da grande imprensa aos ditos independentes, compromissados exclusivamente em defender os interesses de governos, partidos e grandes empresas, como folhetins corporativos – muitas vezes de forma criminosa. E essa é outra história. Essas relações não apenas prostituem a isenção na apuração das suas matérias e artigos de opinião, como devem ser questionadas pelo público. Independentemente de suas visões ideológicas.
Mesmo aos isentos, no entanto, aos compromissados com a boa prática jornalística, não existe neutralidade. Existem veículos transparentes com seus leitores em relação às suas preferências políticas e os que fingem uma imparcialidade mandrake. E a análise a respeito de cada um deles deve ser realizada mediante os fatos e os argumentos apresentados em seus conteúdos.
Toda vez que você torce o nariz para uma publicação apenas por ela estar alinhada a uma visão de mundo diferente da sua e deixa de argumentar contra as razões apresentadas em suas matérias, apontando suas falhas conceituais, você perde por w.o., abre mão do jogo, reforça o outro lado.
Tapar os ouvidos para o que o outro está dizendo não é exatamente um bom argumento.

2. A maioria esmagadora das pessoas acredita estar defendendo o lado certo da história. Inclusive quem discorda de você.

Parece difícil acreditar nisso, mas salve uma minoria de autoritários com identidades políticas torpes bem definidas – capazes de manipular a opinião pública, inventar factoides e criar um exército militante lobotomizado – a vasta maioria das pessoas com opiniões políticas acredita estar defendendo o lado certo da história. Mais do que isso: tomam suas posições a partir de pressupostos morais que julgam ser os melhores possíveis.
E isso, evidentemente, não significa que elas estejam necessariamente certas. É perfeitamente compreensível que grupos ideológicos distintos travem batalhas em torno de seus ideais e que, a partir disso, rejeitem pressupostos políticos e econômicos equivocados com argumentos racionais. A defesa das boas ideias, afinal, nasce também no combate a ideias equivocadas.
Ao longo de décadas, no entanto, a discussão política ao redor do mundo vem sendo travada considerando uma batalha épica entre o bem e mal, como se a força motriz por trás de todas as diferenças fossem desvios irreconciliáveis de caráter onde nenhum indivíduo é capaz de abraçar uma visão de mundo distinta da nossa sem ser tratado como um pulha irreparável.
E nada disso acontece sem razão. Como o economista Friedrich Hayek – vencedor do Nobel – apontou em sua magnum opus, O Caminho da Servidão:
“Quase por uma lei da natureza humana, parece ser mais fácil aos homens concordarem sobre um programa negativo – o ódio a um inimigo ou a inveja aos que estão em melhor situação – do que sobre qualquer plano positivo. A antítese ‘nós’ e ‘eles’, a luta comum contra os que se acham fora do grupo, parece um ingrediente essencial a qualquer ideologia capaz de unir solidamente um grupo visando à ação comum. Por essa razão, é sempre utilizada por aqueles que procuram não só o apoio a um programa político mas também a fidelidade irrestrita de grandes massas.”
Apontar falhas de raciocínio, falácias, lacunas na construção de pensamentos lógicos, falta de rigor nas análises socioeconômicas e rachaduras na compreensão do mundo é o que torna qualquer embate de ideias possível. E tudo isso é saudável. Toda vez, no entanto, em que pessoalizamos o debate, condenando figuras à sarjeta apenas por pensarem diferente da gente, como se não houvesse discussão longe dos pontos de vista das nossas janelas, colaboramos apenas para construir uma caça às bruxas moralista injustificável.
Há certamente grupos que precisam de tais artifícios para maquiar a falta de sustância de suas ideias. Mas, de uma vez por todas, você não precisa fazer parte deles.

3. Questione sempre todo mundo. Especialmente as pessoas que concordam com você.

Na tentativa de transformar tudo numa luta do bem contra o mal, é comum acabarmos adotando um comportamento de torcida organizada na hora de lançarmos nossa opinião política. E o ódio pode facilmente se transformar em amor cego.
Nenhuma visão política se estabelece com maturidade sem uma boa dose de ceticismo.
Por isso, questione sempre. Não importa o lado. Não importa quem. Lula, Bolsonaro ou João Doria. Globo, Fox News ou BBC. Spotniks, Veja ou Carta Capital. Olavo de Carvalho, Jean Wyllys ou o cara por trás desse texto. Ninguém é dono da verdade. Ninguém acerta o tempo todo. Ninguém erra o tempo todo.
E nada disso é estar em cima do muro. Você pode perfeitamente ter predileção por uma ideologia, um veículo de informação ou um partido político. Não há nada de errado com isso. Você pode morrer crente que abraçou o melhor conjunto de ideias que foi permitido à raça humana.
Não seja escravo das circunstâncias.
Entenda que o seu grau de responsabilidade pelas ideias que você defende termina onde começa o campo de ação dos demais defensores dela. Abrace a independência. Se é possível nos enganarmos a respeito daquilo que defendemos – e muitas vezes passarmos a abraçar ideologias completamente opostas, em alguma fase da vida – como raios podemos botar a mão no fogo pela ação de terceiros, como os agentes políticos?
Você está em 2017. Ligue a televisão. Abra o jornal. Digite Lava Jato no Google. A chance de você estar sendo enganado por uma figura interessada apenas em seu voto – e na sua carteira – é consideravelmente real.

4. Na dúvida, fique em silêncio.

Foi o grande Abraham Lincoln quem disse:
“É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida.”
E se há algum lugar em que essa frase faz sentido é na internet. No Facebook você pode acordar especialista em execução orçamentária, almoçar discutindo engenharia aeroespacial, jantar debatendo bioética e ir dormir crítico de cinema.
Mas cá entre nós: ninguém domina tantos assuntos assim, não é mesmo? Com a política não é diferente.
A livre expressão é um direito constitucional. Seu, meu, de quem pensa igual, de quem pensa diferente. Mas você não é obrigado a ter opinião sobre tudo. Não é obrigado a entender sobre todos os assuntos. Não é obrigado sequer a responder perguntas que você desconhece.
E é exatamente por isso que fica tão feio quando você aborda um assunto sem entender patavinas do que está falando. Todo mundo percebe. É só uma tentativa de impressionar. E nem sempre isso é possível da forma como você esperava.
Na dúvida, fique em silêncio. Estude. Aprenda. Tenha humildade para reconhecer os seus limites.

5. Bolhas ideológicas estão condenadas ao fracasso.

As opções estão na mesa.
Você pode excluir todos os seus amigos que pensam diferente de você. Pode menosprezar todas as publicações que levantam pontos de vista distantes do seu. Pode fugir do diálogo como se o que dividisse você dos demais que abraçam bandeiras contrárias à sua estivesse necessariamente preso a um julgamento moral. Pode até criar zonas de espaço seguro em universidades, protestando contra palestrantes e cerceando a liberdade de expressão alheia. Você só não pode esperar ser ouvido por outras pessoas enquanto se tranca dentro de uma bolha ideológica.
Se há algo a dizer a respeito das últimas eleições ao redor do mundo é que bolhas ideológicas estão condenadas ao fracasso. Não adianta lutar contra. Quanto mais você se isola, mantendo o seu diálogo restrito entre aqueles que pensam iguais você, menos você convence aquela parte da humanidade que não concorda com você. E acredite: essa parte não apenas sequer reconhece que tipo de ideias você defende, como pode perfeitamente construir uma visão a respeito delas completamente diferente da sua.
E nesse ponto do texto você pode até fingir que não tem qualquer relação com isso, pedante a ponto de acreditar que conseguirá passar imune à ausência do debate de ideias, como se as suas ideias pertencessem à classe das verdades inquestionáveis – e todo resto estivesse relegado aos comunistas comedores de criancinhas, aos neoliberalóides inimigos da classe trabalhadora ou aos fascistas destruidores de minorias – mas, lamento dizer, você é o principal culpado pelo fracasso na aceitação das suas ideias.

6. Não perca tempo discutindo com quem não está disposto a ouvi-lo.

Por fim, você pode estar do outro lado dessa história. Progressista, liberal, conservador, tanto faz. Disposto a ouvir, disposto a apresentar seus argumentos, disposto a seguir o caminho da razão. E ainda assim, encontrar pela frente gente interessada em qualquer coisa, menos em levar a sério o que você tem a dizer.
Não se iluda. Eles questionarão sua inteligência, seu bom senso, suas fontes, suas intenções, seu senso de justiça, seu discernimento entre o certo e o errado. Questionarão a tua capacidade de se importar com o próximo. Te associarão aos piores sentimentos do mundo. E não há nada que você possa fazer a respeito.

Nessa hora, tenha a humildade de cair fora, de abrir mão. Contente-se com o fato de que tudo que você tem a receber pela frente é bobagem. E a respeito desse assunto, nunca é demais lembrar da primeira regra do debate político.
A quantidade de energia necessária para refutar uma bobagem é uma ordem de magnitude maior que para produzi-la.
Tenha isso sempre em mente. Você já sabe tudo que precisa para publicar as suas opiniões políticas.

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