Você caiu nesta página.
E a partir
desse clique quase imperceptível num pedaço de plástico é possível
dizer que você é desses que se importam com o debate político no seu
país. Mais do que isso: muito provavelmente você não anda nada
satisfeito com a forma como esse debate é conduzido por aqui.
É, eu entendo.
Política é
um negócio complicado – essencialmente identidade de grupo. Em geral,
é mais do que a aceitação de uma coleção de ideias ou um convencimento
da necessária aplicação – ou ausência – de ações públicas que melhorem o
padrão geral da humanidade. Identidade política é também estética,
estilo, sensação de pertencimento, target mercadológico.
E é aqui,
nesse ponto abstrato, no meio dessas nuvens cinzas subjetivas todas, que
a razão sai de campo para dar lugar à emoção. É aqui que tudo
embaralha. Tudo isso vira mero futebol, religião, paixão. Vira novela
mexicana. Quase sem perceber, nós abandonamos a sensatez
criteriosa que exigimos dos nossos adversários e passamos a abraçar
cegamente a estupidez dos nossos cúmplices ideológicos.
Essa é a
principal razão pela qual esse artigo foi escrito. Não como um manual de
comportamento – longe de mim dizer como você deve ou não se comportar.
Mas com a pretensão de estabelecer certos limites racionais para a
prática do bom debate, independentemente do seu lado nessa batalha.
Há pelo
menos seis pontos, descritos no decorrer desse texto, que todo mundo
deveria saber antes de postar seus comentários políticos na internet. E
se você se sente um pouco perdido nesse jogo, no meio de um tiroteio de
hashtags e gritos de ordem sem sentido, acredite – você não está sozinho
nessa.
É hora de esclarecer, não de confundir.
1. Não existe mídia imparcial.
Se você caiu de paraquedas por aqui, sem problema, eu explico. Essa publicação que você está lendo adota assumidamente uma linha editorial liberal.
Cada análise produzida aqui parte do pressuposto de que o país
construiu, ao longo de sua história, instituições extrativistas que
alimentam toneladas de burocracia, uma legislação tributária
incompreensível, insegurança jurídica, pouca receptividade à propriedade
privada e uma participação inexplicável do Estado na economia –
responsável direto pela criação de uma cultura predominantemente
clientelista e patrimonialista, pela construção de uma horda de
parasitas econômicos, de oligopólios, lobistas e metacapitalistas, e
pela transferência histórica de renda dos mais pobres para os mais
ricos, catalisador da desigualdade.
Esta
publicação também acredita que esse arranjo institucional colaborou ao
longo dos anos para criar um ambiente econômico de pouca
competitividade, baixa produtividade e tímido crescimento.
Outras
publicações, você certamente deve reconhecer, adotam posições
diferentes, algumas com visões de mundo completamente antagônicas
à nossa. E esse é o grande ponto: não há nada de errado com isso. Motivações
ideológicas fazem parte da pluralidade de imprensa e conectam
diferentes veículos ao redor do mundo: ora mais à esquerda (como o The
Guardian e o The Huffington Post), ora mais à direita (como o Le Figaro e
a Fox News), ora mais liberal (como a The Economist e a Reason
Magazine). É do jogo.
Claro,
tudo isso não apaga o fato de que há uma série de veículos, da grande
imprensa aos ditos independentes, compromissados exclusivamente em
defender os interesses de governos, partidos e grandes empresas, como
folhetins corporativos – muitas vezes de forma criminosa. E essa é outra
história. Essas relações não apenas prostituem a isenção na
apuração das suas matérias e artigos de opinião, como devem ser
questionadas pelo público. Independentemente de suas visões ideológicas.
Mesmo aos isentos, no entanto, aos compromissados com a boa prática jornalística, não existe neutralidade.
Existem veículos transparentes com seus leitores em relação às suas
preferências políticas e os que fingem uma imparcialidade mandrake. E a
análise a respeito de cada um deles deve ser realizada mediante os fatos
e os argumentos apresentados em seus conteúdos.
Toda vez
que você torce o nariz para uma publicação apenas por ela estar alinhada
a uma visão de mundo diferente da sua e deixa de argumentar contra as
razões apresentadas em suas matérias, apontando suas falhas conceituais,
você perde por w.o., abre mão do jogo, reforça o outro lado.
Tapar os ouvidos para o que o outro está dizendo não é exatamente um bom argumento.
2. A maioria esmagadora das pessoas acredita estar defendendo o lado certo da história. Inclusive quem discorda de você.
Parece
difícil acreditar nisso, mas salve uma minoria de autoritários com
identidades políticas torpes bem definidas – capazes de manipular a
opinião pública, inventar factoides e criar um exército militante
lobotomizado – a vasta maioria das pessoas com opiniões políticas
acredita estar defendendo o lado certo da história. Mais do que isso: tomam suas posições a partir de pressupostos morais que julgam ser os melhores possíveis.
E isso,
evidentemente, não significa que elas estejam necessariamente certas.
É perfeitamente compreensível que grupos ideológicos distintos travem
batalhas em torno de seus ideais e que, a partir disso,
rejeitem pressupostos políticos e econômicos equivocados com argumentos
racionais. A defesa das boas ideias, afinal, nasce também no combate a
ideias equivocadas.
Ao longo
de décadas, no entanto, a discussão política ao redor do mundo vem sendo
travada considerando uma batalha épica entre o bem e mal, como se a
força motriz por trás de todas as diferenças fossem desvios
irreconciliáveis de caráter onde nenhum indivíduo é capaz de abraçar uma
visão de mundo distinta da nossa sem ser tratado como um pulha
irreparável.
E nada disso acontece sem razão. Como o economista Friedrich Hayek – vencedor do Nobel – apontou em sua magnum opus, O Caminho da Servidão:
“Quase por uma lei da natureza humana, parece ser mais fácil aos homens concordarem sobre um programa negativo – o ódio a um inimigo ou a inveja aos que estão em melhor situação – do que sobre qualquer plano positivo. A antítese ‘nós’ e ‘eles’, a luta comum contra os que se acham fora do grupo, parece um ingrediente essencial a qualquer ideologia capaz de unir solidamente um grupo visando à ação comum. Por essa razão, é sempre utilizada por aqueles que procuram não só o apoio a um programa político mas também a fidelidade irrestrita de grandes massas.”
Apontar
falhas de raciocínio, falácias, lacunas na construção de pensamentos
lógicos, falta de rigor nas análises socioeconômicas e rachaduras na
compreensão do mundo é o que torna qualquer embate de ideias possível.
E tudo isso é saudável. Toda vez, no entanto, em que pessoalizamos o
debate, condenando figuras à sarjeta apenas por pensarem diferente da
gente, como se não houvesse discussão longe dos pontos de vista
das nossas janelas, colaboramos apenas para construir uma caça às bruxas
moralista injustificável.
Há
certamente grupos que precisam de tais artifícios para maquiar a falta
de sustância de suas ideias. Mas, de uma vez por todas, você não precisa
fazer parte deles.
3. Questione sempre todo mundo. Especialmente as pessoas que concordam com você.
Na
tentativa de transformar tudo numa luta do bem contra o mal, é comum
acabarmos adotando um comportamento de torcida organizada na hora de
lançarmos nossa opinião política. E o ódio pode facilmente se
transformar em amor cego.
Nenhuma visão política se estabelece com maturidade sem uma boa dose de ceticismo.
Por isso,
questione sempre. Não importa o lado. Não importa quem. Lula, Bolsonaro
ou João Doria. Globo, Fox News ou BBC. Spotniks, Veja ou Carta Capital.
Olavo de Carvalho, Jean Wyllys ou o cara por trás desse texto. Ninguém é dono da verdade. Ninguém acerta o tempo todo. Ninguém erra o tempo todo.
E nada
disso é estar em cima do muro. Você pode perfeitamente ter predileção
por uma ideologia, um veículo de informação ou um partido político. Não
há nada de errado com isso. Você pode morrer crente que abraçou o
melhor conjunto de ideias que foi permitido à raça humana.
Não seja escravo das circunstâncias.
Entenda
que o seu grau de responsabilidade pelas ideias que você defende
termina onde começa o campo de ação dos demais defensores dela. Abrace
a independência. Se é possível nos enganarmos a respeito daquilo que
defendemos – e muitas vezes passarmos a abraçar ideologias completamente
opostas, em alguma fase da vida – como raios podemos botar a mão no
fogo pela ação de terceiros, como os agentes políticos?
Você está em 2017. Ligue a televisão. Abra o jornal. Digite Lava Jato
no Google. A chance de você estar sendo enganado por uma figura
interessada apenas em seu voto – e na sua carteira – é consideravelmente
real.
4. Na dúvida, fique em silêncio.
Foi o grande Abraham Lincoln quem disse:
“É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida.”
E se há
algum lugar em que essa frase faz sentido é na internet. No Facebook
você pode acordar especialista em execução orçamentária, almoçar
discutindo engenharia aeroespacial, jantar debatendo bioética e ir
dormir crítico de cinema.
Mas cá entre nós: ninguém domina tantos assuntos assim, não é mesmo? Com a política não é diferente.
A livre
expressão é um direito constitucional. Seu, meu, de quem pensa igual, de
quem pensa diferente. Mas você não é obrigado a ter opinião sobre tudo.
Não é obrigado a entender sobre todos os assuntos. Não é obrigado
sequer a responder perguntas que você desconhece.
E é
exatamente por isso que fica tão feio quando você aborda um assunto sem
entender patavinas do que está falando. Todo mundo percebe. É só uma
tentativa de impressionar. E nem sempre isso é possível da forma como
você esperava.
Na dúvida, fique em silêncio. Estude. Aprenda. Tenha humildade para reconhecer os seus limites.
5. Bolhas ideológicas estão condenadas ao fracasso.
As opções estão na mesa.
Você pode
excluir todos os seus amigos que pensam diferente de você. Pode
menosprezar todas as publicações que levantam pontos de vista distantes
do seu. Pode fugir do diálogo como se o que dividisse você dos
demais que abraçam bandeiras contrárias à sua estivesse necessariamente
preso a um julgamento moral. Pode até criar zonas de espaço seguro em
universidades, protestando contra palestrantes e cerceando a liberdade
de expressão alheia. Você só não pode esperar ser ouvido por outras pessoas enquanto se tranca dentro de uma bolha ideológica.
Se há algo
a dizer a respeito das últimas eleições ao redor do mundo é que bolhas
ideológicas estão condenadas ao fracasso. Não adianta lutar contra. Quanto
mais você se isola, mantendo o seu diálogo restrito entre aqueles que
pensam iguais você, menos você convence aquela parte da humanidade que
não concorda com você. E acredite: essa parte não apenas sequer
reconhece que tipo de ideias você defende, como pode perfeitamente
construir uma visão a respeito delas completamente diferente da sua.
E nesse
ponto do texto você pode até fingir que não tem qualquer relação com
isso, pedante a ponto de acreditar que conseguirá passar imune à
ausência do debate de ideias, como se as suas ideias pertencessem à
classe das verdades inquestionáveis – e todo resto estivesse relegado
aos comunistas comedores de criancinhas, aos neoliberalóides inimigos da
classe trabalhadora ou aos fascistas destruidores de minorias – mas,
lamento dizer, você é o principal culpado pelo fracasso na aceitação das
suas ideias.
6. Não perca tempo discutindo com quem não está disposto a ouvi-lo.
Por fim,
você pode estar do outro lado dessa história. Progressista, liberal,
conservador, tanto faz. Disposto a ouvir, disposto a apresentar seus
argumentos, disposto a seguir o caminho da razão. E ainda assim,
encontrar pela frente gente interessada em qualquer coisa, menos
em levar a sério o que você tem a dizer.
Não se
iluda. Eles questionarão sua inteligência, seu bom senso, suas fontes,
suas intenções, seu senso de justiça, seu discernimento entre o certo e o
errado. Questionarão a tua capacidade de se importar com o próximo. Te
associarão aos piores sentimentos do mundo. E não há nada que você possa fazer a respeito.
Nessa
hora, tenha a humildade de cair fora, de abrir mão. Contente-se com o
fato de que tudo que você tem a receber pela frente é bobagem. E a
respeito desse assunto, nunca é demais lembrar da primeira regra do
debate político.
A quantidade de energia necessária para refutar uma bobagem é uma ordem de magnitude maior que para produzi-la.
Tenha isso sempre em mente. Você já sabe tudo que precisa para publicar as suas opiniões políticas.
Interessante o texto! Peço licença para lhes indicar dois períodos que poderiam ser ajustados, devido a pequenas imprecisões ou incorreções gramaticais:
ResponderExcluirQuanto mais você se isola, mantendo o seu diálogo restrito entre aqueles que (pensam iguais você), menos você convence aquela parte da humanidade que não concorda com você.
Obrigado, abraços,
Rogério Imbuzeiro
Eles questionarão sua inteligência, seu bom senso, suas fontes, suas intenções, seu senso de justiça, seu discernimento entre o certo e o errado. Questionarão a tua capacidade de se importar com o próximo. Te associarão aos piores sentimentos do mundo. E não há nada que você possa fazer a respeito. (temos "sua" e "tua", "Te" e "você" misturados)