Onze das 12 entidades com projetos aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por filiados ao PT; quem marca presença em protestos e até ocupações ganha prioridade na fila da casa própria em São Paulo
Líderes
comunitários filiados ao PT usam critérios políticos para gerir a maior parte
dos R$ 238,2 milhões repassados pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades
para a construção de casas populares na capital. Onze das 12 entidades que
tiveram projetos aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por
filiados ao partido. Suas associações privilegiam quem participa de atos e
manifestações de sem-teto ao distribuir moradias, em vez de priorizar a renda
na escolha. Entre gestores dos recursos, há funcionários da gestão de Fernando
Haddad (PT), candidatos a cargos públicos pela sigla e até uma militante morta
há dois anos.
A
partir de repasses diretos, as associações selecionadas pelo governo federal
escolhem quem vai sair da fila da habitação em São Paulo. Os critérios não
seguem apenas padrões de renda, mas de participação política. Quem marca
presença em eventos públicos, como protestos e até ocupações, soma pontos e tem
mais chance de receber a casa própria.
Para
receber o imóvel, os associados ainda precisam seguir regras adicionais às
estabelecidas pelo programa federal, que prevê renda familiar máxima de R$ 1,6
mil, e prioridade a moradores de áreas de risco ou com deficiência física. A
primeira exigência das entidades é o pagamento de mensalidade, além de taxa de
adesão, que funciona como uma matrícula. Para entrar nos grupos, o passe vale
até R$ 50.
Quem
paga em dia e frequenta reuniões, assembleias e os eventos agendados pelas
entidades soma pontos e sai na frente. O sistema, no entanto, fere o princípio
da isonomia, segundo o advogado Márcio Cammarosano, professor de Direito
Público da PUC-SP. “Na minha avaliação, esse modelo de pontos ainda me parece
inconstitucional, além de escandaloso e absolutamente descabido. Ele exclui as
pessoas mais humildes, que não têm condições de pagar qualquer taxa ou mesmo de
frequentar atos públicos”, afirma.
50 mil pessoas. Os empreendimentos são projetados e construídos pelas
associações, que hoje reúnem uma multidão de associados. São mais de 50 mil
pessoas engajadas na luta pelo direito à moradia. Além das entidades dos
petistas, há ainda uma outra dirigida por um filiado ao PCdoB.
A
força política dos movimentos de moradia, que só neste ano comandaram mais de
50 invasões na cidade, pressionam não só o governo federal, mas a Prefeitura.
Em agosto, Haddad publicou um decreto no qual se comprometeu a permitir que
entidades possam indicar parte das famílias que serão contempladas com moradias
em sua gestão. A promessa de campanha é entregar 55 mil até 2016 – as
lideranças querem opinar sobre 20 mil desse pacote.
O
cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, ainda alerta para o um efeito
colateral do esquema implementado na capital pelas entidades, que é a cooptação
política dos associados, com fins eleitorais.
“O
governo deve imediatamente intervir nesse processo e rediscutir as regras. Isso
remete ao coronelismo. Além disso, a busca pela casa própria não pode ser um
jogo, onde quem tem mais pontos ganha.”
Quem é quem. A maior parte das entidades é comandada por lideranças do PT com
histórico de mais 20 anos de atuação na causa. É o caso de Vera Eunice
Rodrigues, que ganhou cargo comissionado na Companhia Metropolitana de
Habitação (Cohab) após receber 20.190 votos nas últimas eleições para vereador
pelo partido.
Verinha,
como é conhecida, era presidente da Associação dos Trabalhadores Sem Teto da
Zona Noroeste até março deste ano – em seu lugar entrou o também petista José
de Abraão. A entidade soma 7 mil sócios e teve aval do Ministério das Cidades
para comandar um repasse de R$ 21,8 milhões. A verba será usada para construir
um dos três lotes do Conjunto Habitacional Alexius Jafet, que terá 1.104
unidades na zona norte.
No
ano passado, Verinha esteve à frente de invasões ocorridas em outubro em
prédios da região central, ainda durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD), e
em pleno período eleitoral. Em abril, foi para o governo Haddad, com salário de
R$ 5.516,55. A Prefeitura afirma que ela está desvinculada do movimento e foi
indicada por causa de sua experiência no setor.
Outra
entidade com projeto aprovado – no valor de R$ 14 milhões –, o Movimento de
Moradia do Centro (MMC), tem como gestor Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, filiado
ao PT há mais de 30 anos e atual candidato a presidente do diretório do centro.
Com um discurso de críticas à gestão Kassab e de elogios a Haddad, ele também
nega uso político da entidade. “Qualquer um pode se filiar a nós e conseguir
moradia. Esse é o melhor programa já feito no mundo”, diz sobre o Minha Casa
Minha Vida Entidades.
Ministério diz que
desconhece esquema de pontuação. O Ministério das Cidades afirmou desconhecer que a presença em
atos públicos, como protestos e ocupações, renda pontos às pessoas que lutam
por uma moradia na capital. A pasta informou apenas que as entidades podem
criar regras adicionais às estabelecidas pelo Minha Casa Minha Vida, sem a
necessidade de aprová-las no governo.
Da
mesma forma, o ministério disse que não pode interferir em regras internas dos
movimentos de moradia e, por isso, não tem como impedir a cobrança de taxas e
mensalidades.
O
ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP), não quis dar entrevista. Por meio
de nota, sua assessoria ressaltou que as entidades não são selecionadas, mas
habilitadas a receber verba mediante o cumprimento de uma série de atribuições,
como dar apoio às famílias no desenvolvimento dos projetos, assim como na
obtenção da documentação necessária. O processo não segue, segundo a pasta,
critérios políticos. Além disso, as associações devem se submeter a uma
prestação de contas, feita pela Caixa Econômica Federal, que financia as
unidades.