Lamentavelmente temos que dizer que o STF na tarde desta quinta-feira (17) rasgou parte de nossa bela Constituição
Democrática Republicana. Nosso parecer abordou exaustivamente os
temas., quando não pretendemos mais nos alongar, mas apenas esclarecer o
que percebemos absolutamente equivocado na decisão do Supremo Tribunal
Federal.
Perdeu o Estado Democrático de Direito, venceu o "Estado
Palaciano de Impunidade". Aniquilaram o papel da Câmara dos Deputados
previsto o art. 86 da CF,
que era claro, pois é de conhecimento que a Presidente não possui
maioria na Casa, e conferiram super poderes ao Senado Federal onde
sabidamente a Presidente possui maioria, em uma leitura contrária à
literalidade do artigo, uma leitura absolutamente criativa.
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Está
inequívoco no artigo que a Câmara possui o seu papel no processo de
impedimento e que o seu papel não se revela apenas no direito de
arquivar ou protelar o impeachment até as decisões do Senado Federal
como querem os palacianos. A Câmara só servirá, na forma imposta pelo
Supremo, se for para o papel de arquivar o impeachment, se para
admiti-lo (por maioria absoluta de 2/3) a posição da Casa será um nada,
pois poderá ter a sua deliberação de quorum gravoso cassada pelo
Senado Federal em juízo de admissibilidade por mera maioria simples,
arquivando o processo. Um absurdo que o STF criou no firme propósito de
impedir o prosseguimento do impeachment cassando a atuação útil da
Câmara no processo de impedimento caso entenda pelo seu processamento no
Senado Federal.
No Senado, havia a dúvida sobre se para a
instauração do processo também seria necessária a maioria qualificada ou
votos de dois terços dos senadores. Venceu a posição divergente,
segundo a qual a instauração do processo se dá por maioria simples. A
maioria de dois terços é exigida apenas na votação do Plenário da Casa,
quando da decisão sobre se a presidente será ou não deposta.
Por
contorcionismos jurídicos com fins ideológicos fizeram tábula rasa o
prevalente juízo político do impeachment para interpretá-lo nos termos
de um direito autoritário interveniente. Se a proposta era de fazer uma
filtragem constitucional, que interpretasse a lei de 1950 nos termos da Constituição,
não meramente nos termos dos interesses palacianos impeditivos de que o
processo democrático prossiga. É uma intervenção judicial em uma das
funções de Poder do Estado, que tem por fim promover a inabilidade de um
instrumento democrático-constitucional que lhe cabia, como é o
impeachment, é uma barbárie jurídica de invasão do poder político da
Câmara dos Deputados absolutamente despótica, antidemocrática. Assim o
povo pergunta: quem elegeu os senhores ministros do STF?
Colocar o voto aberto como uma exigibilidade da Constituição
é “inventar” o que o Constituinte não dispôs e que por emenda
constitucional não se acresceu pelo poder constituído. Silêncio
eloquente? (risos). Interferir anulando uma deliberação na Casa do Povo,
que criou uma chapa alternativa em um processo político - impeachment,
para que haja disputa democrática, eleição, baseada no Regimento interno
da Casa, é uma intervenção antidemocrática absurda, quando sabemos que
em certas passagens o STF é um Tribunal contramajoritário, mas jamais
deve ser antidemocrático. O voto fechado serviria para proteger os
deputados para que pudessem votar com liberdade de consciência, sem
pressão de líderes de partidos vinculados à qualquer ideologia, sem a
pressão palaciana para chamar-lhes de traidores e persegui-los pelo
restante de seus mandatos. Nestes casos, onde a pressão é manifesta,
para se garantir a liberdade funcional de consciência, a transparência
pode ceder espaço. Não custa lembrar que a transparência foi extirpada
com o fim de se reeleger em inegável estelionato eleitoral sem qualquer
razão defensável. Lembre-se ainda, que o próprio aliado palaciano Michel
Temer havia admitido ter sido perfeitamente legal a criação e votação
secreta da chapa alternativa, como grande jurisconsulto que é.
Impeachment,
quando na direção de um amplo apoio popular representando a vontade do
povo é um processo que ilumina a democracia. A sua barração por uma
Corte Constitucional (quando quase inviabiliza a consecução do seu fim),
interpretando a Constituição,
que possui normas plurissignificativas (não o art. 86 que é claro) com o
fulcro de impedir que o processo democrático se desenvolva, é agir como
age a Venezuela, que tem sua Corte Constitucional declaradamente
bolivariana e sempre pronta para embargar os meios democráticos que
contrariem a ideologia Chavista. E uma intervenção judicial em uma das
funções de Poder do Estado, que tem por fim promover a inabilidade de um
instrumento democrático-constitucional que lhe cabia, como é o
impeachment, é uma barbárie jurídica!
Lembro que, não basta a
vontade do povo, há que se demonstrar a ocorrência de crime de
responsabilidade, o que naturalmente já torna o processo de impedimento
muito mais dificultoso que o modelo unicamente político de recall
adotado em parlamentarismos desenvolvidos, mas também em alguns Estados
que adotam o presidencialismo.
Quando se pretendeu fazer uma
filtragem constitucional nos rito de impedimento ficou evidente que o
intuito foi apenas o de adequar o rito ao modelo ideal palaciano e
retirá-lo do âmbito da política, trazê-lo ao campo de um direito
constitucional maculado pela pecha da inefetividade. Assuntos interna-corporis
absolutamente desrespeitados com objetivos palacianos. O impeachment do
Collor serviu como paradigma, pois o Collor não contava
representatividade política (galinha morta), quando tirá-lo do poder por
qualquer rito seriam favas contadas, por mais dificultoso que fosse o
procedimento. Assim, passou ao léu inconstitucionalidades como a de
negar função útil à Câmara dos Deputados como fizeram ontem ao distorcer
o art. 86 da CF.
Reafirmar as inconstitucionalidades do rito do impeachment de Collor
não é promover filtragem constitucional, data máxima vênia.
Lembro
que, o STF na época do impedimento do Collor, havia pronunciamento
claro em mandado de segurança (direito líquido e certo) no sentido de
que a Câmara faria o juízo de admissibilidade, cumprindo o seu papel
constitucional e o Senado julgaria o impedimento, tarefas divididas nos
termos do art. 86 da Constituição,
quando ao Senado Federal caberia a maior importância no processo de
impedimento, o julgamento por força do dispositivo constitucional. O
voto do ministro Celso de Mello no MS ficou famoso nesse sentido,
estranhamente esquecido pelo Ministro agora na Era PT.
Inobstante
à época, veio o Congresso e ignorou a decisão do Supremo dando também o
poder da admissibilidade ao Senado, quando o STF não interviu deixando a
inconstitucionalidade como se fosse decisão interna-corporis do
Legislativo, pois àquela altura era interesse o impedimento do
presidente Collor (sem qualquer representatividade, voltamos a firmar),
que seria aprovado no Congresso em qualquer dos modelos.
Diversamente
foi a atuação do Supremo agora na era PT, quando não respeitou as
deliberações políticas do Legislativo quanto a criação de uma chapa
alternativa, do voto fechado para tutelar a consciência individual
parlamentar nos termos regimentares optando em intervir em assuntos
interna-corporis do Legislativo, e o pior, não seguiu o entendimento que
havia esposado no impedimento do Collor quanto ao papel da Câmara como
inferimos, preferindo intervir contrariamente ao texto expresso do art.
86 para ratificar uma decisão já inconstitucional do Congresso àquela
época e falar em segurança jurídica. Que filtragem constitucional foi
essa então? Uma filtragem palaciana? Segurança jurídica requer o
respeito à Constituição Federal,
às decisões do Supremo Tribunal Federal como a expressa no MS e não o
respeito às manobras politicas literalmente inconstitucionais.
Concluo
com a afirmação de que está cada vez mais difícil ensinar Direito
Constitucional neste país, quando propomos que o Planalto faça
diretamente uma nova constituinte, que discuta com os companheiros nos
termos de sua ideologia para que o Supremo Tribunal Federal possa
verdadeiramente, sem contorcionismos, aplicar a Constituição Federal
Palaciana sempre que os interesses do Governo estiverem em perigo. Ao
menos teríamos previsibilidade e segurança jurídica de fato e de
direito.
Quanto ao democrático processo de impeachment, fiquemos
com a autocrática imposição de um escrutínio sob suspeitas de fraudes e
pautado em estelionato eleitoral. É essa “democracia” que pretenderam
proteger e hão de conseguir exitosamente ao abolirem quase que em
completo as chances de prosperar o instrumento democrático do
impeachment legitimado pelo apoio popular.
Deixemos a nossa admiração pelo excelente voto do ministro Dias Tóffoli, que percebeu com nitidez onde a Constituição encontrava-se aviltada e onde a questão interna-corporis
da Câmara deveria restar respeitada, Câmara como a Casa do Povo, a Casa
da Democracia, que lamentavelmente acabou absolutamente sem função,
esvaziada e o impeachment contido por nítido ativismo judicial
ideológico, quando haveria de se esperar autocontenção.
Fica o
nosso pesar no tocante ao impedimento ideológico (à nosso sentir), que o
Supremo impôs ao funcionamento do meio constitucional-democrático do
impeachment, nos termos da vontade do povo, que não confere mais
legitimidade ao mandato da digníssima Presidente da República.
No
tocante a existência de um STF aparelhado pelo Governo Federal fica
difícil esquivarmos quando nos pareceu mais um jogo de cartas marcadas.
Nos é difícil admitir que com o potencial jurídico-constitucional da
maioria dos ministros da Casa existam "equívocos" interpretativos desta
monta.
Conveniente rememorar por fim, que a missão institucional do STF é a tutela da Constituição e não a blindagem do Governo Federal.
Publicado por Leonardo Sarmento