Crítica: STF interpreta a Constituição com contorcionismos ao modelo palaciano e mata as democráticas possibilidades de impeachment

Lamentavelmente temos que dizer que o STF na tarde desta quinta-feira (17) rasgou parte de nossa bela Constituição Democrática Republicana. Nosso parecer abordou exaustivamente os temas., quando não pretendemos mais nos alongar, mas apenas esclarecer o que percebemos absolutamente equivocado na decisão do Supremo Tribunal Federal.


Perdeu o Estado Democrático de Direito, venceu o "Estado Palaciano de Impunidade". Aniquilaram o papel da Câmara dos Deputados previsto o art. 86 da CF, que era claro, pois é de conhecimento que a Presidente não possui maioria na Casa, e conferiram super poderes ao Senado Federal onde sabidamente a Presidente possui maioria, em uma leitura contrária à literalidade do artigo, uma leitura absolutamente criativa.


Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.


Está inequívoco no artigo que a Câmara possui o seu papel no processo de impedimento e que o seu papel não se revela apenas no direito de arquivar ou protelar o impeachment até as decisões do Senado Federal como querem os palacianos. A Câmara só servirá, na forma imposta pelo Supremo, se for para o papel de arquivar o impeachment, se para admiti-lo (por maioria absoluta de 2/3) a posição da Casa será um nada, pois poderá ter a sua deliberação de quorum gravoso cassada pelo Senado Federal em juízo de admissibilidade por mera maioria simples, arquivando o processo. Um absurdo que o STF criou no firme propósito de impedir o prosseguimento do impeachment cassando a atuação útil da Câmara no processo de impedimento caso entenda pelo seu processamento no Senado Federal.


No Senado, havia a dúvida sobre se para a instauração do processo também seria necessária a maioria qualificada ou votos de dois terços dos senadores. Venceu a posição divergente, segundo a qual a instauração do processo se dá por maioria simples. A maioria de dois terços é exigida apenas na votação do Plenário da Casa, quando da decisão sobre se a presidente será ou não deposta. 


Por contorcionismos jurídicos com fins ideológicos fizeram tábula rasa o prevalente juízo político do impeachment para interpretá-lo nos termos de um direito autoritário interveniente. Se a proposta era de fazer uma filtragem constitucional, que interpretasse a lei de 1950 nos termos da Constituição, não meramente nos termos dos interesses palacianos impeditivos de que o processo democrático prossiga. É uma intervenção judicial em uma das funções de Poder do Estado, que tem por fim promover a inabilidade de um instrumento democrático-constitucional que lhe cabia, como é o impeachment, é uma barbárie jurídica de invasão do poder político da Câmara dos Deputados absolutamente despótica, antidemocrática. Assim o povo pergunta: quem elegeu os senhores ministros do STF?


Colocar o voto aberto como uma exigibilidade da Constituição é “inventar” o que o Constituinte não dispôs e que por emenda constitucional não se acresceu pelo poder constituído. Silêncio eloquente? (risos). Interferir anulando uma deliberação na Casa do Povo, que criou uma chapa alternativa em um processo político - impeachment, para que haja disputa democrática, eleição, baseada no Regimento interno da Casa, é uma intervenção antidemocrática absurda, quando sabemos que em certas passagens o STF é um Tribunal contramajoritário, mas jamais deve ser antidemocrático. O voto fechado serviria para proteger os deputados para que pudessem votar com liberdade de consciência, sem pressão de líderes de partidos vinculados à qualquer ideologia, sem a pressão palaciana para chamar-lhes de traidores e persegui-los pelo restante de seus mandatos. Nestes casos, onde a pressão é manifesta, para se garantir a liberdade funcional de consciência, a transparência pode ceder espaço. Não custa lembrar que a transparência foi extirpada com o fim de se reeleger em inegável estelionato eleitoral sem qualquer razão defensável. Lembre-se ainda, que o próprio aliado palaciano Michel Temer havia admitido ter sido perfeitamente legal a criação e votação secreta da chapa alternativa, como grande jurisconsulto que é.


Impeachment, quando na direção de um amplo apoio popular representando a vontade do povo é um processo que ilumina a democracia. A sua barração por uma Corte Constitucional (quando quase inviabiliza a consecução do seu fim), interpretando a Constituição, que possui normas plurissignificativas (não o art. 86 que é claro) com o fulcro de impedir que o processo democrático se desenvolva, é agir como age a Venezuela, que tem sua Corte Constitucional declaradamente bolivariana e sempre pronta para embargar os meios democráticos que contrariem a ideologia Chavista. E uma intervenção judicial em uma das funções de Poder do Estado, que tem por fim promover a inabilidade de um instrumento democrático-constitucional que lhe cabia, como é o impeachment, é uma barbárie jurídica!


Lembro que, não basta a vontade do povo, há que se demonstrar a ocorrência de crime de responsabilidade, o que naturalmente já torna o processo de impedimento muito mais dificultoso que o modelo unicamente político de recall adotado em parlamentarismos desenvolvidos, mas também em alguns Estados que adotam o presidencialismo.

Quando se pretendeu fazer uma filtragem constitucional nos rito de impedimento ficou evidente que o intuito foi apenas o de adequar o rito ao modelo ideal palaciano e retirá-lo do âmbito da política, trazê-lo ao campo de um direito constitucional maculado pela pecha da inefetividade. Assuntos interna-corporis absolutamente desrespeitados com objetivos palacianos. O impeachment do Collor serviu como paradigma, pois o Collor não contava representatividade política (galinha morta), quando tirá-lo do poder por qualquer rito seriam favas contadas, por mais dificultoso que fosse o procedimento. Assim, passou ao léu inconstitucionalidades como a de negar função útil à Câmara dos Deputados como fizeram ontem ao distorcer o art. 86 da CF. Reafirmar as inconstitucionalidades do rito do impeachment de Collor não é promover filtragem constitucional, data máxima vênia.


Lembro que, o STF na época do impedimento do Collor, havia pronunciamento claro em mandado de segurança (direito líquido e certo) no sentido de que a Câmara faria o juízo de admissibilidade, cumprindo o seu papel constitucional e o Senado julgaria o impedimento, tarefas divididas nos termos do art. 86 da Constituição, quando ao Senado Federal caberia a maior importância no processo de impedimento, o julgamento por força do dispositivo constitucional. O voto do ministro Celso de Mello no MS ficou famoso nesse sentido, estranhamente esquecido pelo Ministro agora na Era PT.


Inobstante à época, veio o Congresso e ignorou a decisão do Supremo dando também o poder da admissibilidade ao Senado, quando o STF não interviu deixando a inconstitucionalidade como se fosse decisão interna-corporis do Legislativo, pois àquela altura era interesse o impedimento do presidente Collor (sem qualquer representatividade, voltamos a firmar), que seria aprovado no Congresso em qualquer dos modelos.


Diversamente foi a atuação do Supremo agora na era PT, quando não respeitou as deliberações políticas do Legislativo quanto a criação de uma chapa alternativa, do voto fechado para tutelar a consciência individual parlamentar nos termos regimentares optando em intervir em assuntos interna-corporis do Legislativo, e o pior, não seguiu o entendimento que havia esposado no impedimento do Collor quanto ao papel da Câmara como inferimos, preferindo intervir contrariamente ao texto expresso do art. 86 para ratificar uma decisão já inconstitucional do Congresso àquela época e falar em segurança jurídica. Que filtragem constitucional foi essa então? Uma filtragem palaciana? Segurança jurídica requer o respeito à Constituição Federal, às decisões do Supremo Tribunal Federal como a expressa no MS e não o respeito às manobras politicas literalmente inconstitucionais.

Concluo com a afirmação de que está cada vez mais difícil ensinar Direito Constitucional neste país, quando propomos que o Planalto faça diretamente uma nova constituinte, que discuta com os companheiros nos termos de sua ideologia para que o Supremo Tribunal Federal possa verdadeiramente, sem contorcionismos, aplicar a Constituição Federal Palaciana sempre que os interesses do Governo estiverem em perigo. Ao menos teríamos previsibilidade e segurança jurídica de fato e de direito.


Quanto ao democrático processo de impeachment, fiquemos com a autocrática imposição de um escrutínio sob suspeitas de fraudes e pautado em estelionato eleitoral. É essa “democracia” que pretenderam proteger e hão de conseguir exitosamente ao abolirem quase que em completo as chances de prosperar o instrumento democrático do impeachment legitimado pelo apoio popular.


Deixemos a nossa admiração pelo excelente voto do ministro Dias Tóffoli, que percebeu com nitidez onde a Constituição encontrava-se aviltada e onde a questão interna-corporis da Câmara deveria restar respeitada, Câmara como a Casa do Povo, a Casa da Democracia, que lamentavelmente acabou absolutamente sem função, esvaziada e o impeachment contido por nítido ativismo judicial ideológico, quando haveria de se esperar autocontenção.


Fica o nosso pesar no tocante ao impedimento ideológico (à nosso sentir), que o Supremo impôs ao funcionamento do meio constitucional-democrático do impeachment, nos termos da vontade do povo, que não confere mais legitimidade ao mandato da digníssima Presidente da República.

No tocante a existência de um STF aparelhado pelo Governo Federal fica difícil esquivarmos quando nos pareceu mais um jogo de cartas marcadas. Nos é difícil admitir que com o potencial jurídico-constitucional da maioria dos ministros da Casa existam "equívocos" interpretativos desta monta.


Conveniente rememorar por fim, que a missão institucional do STF é a tutela da Constituição e não a blindagem do Governo Federal.

Publicado por Leonardo Sarmento 

Goiás terá escolas públicas com gestão privada

O estado vai transferir escolas para Organizações Sociais. Esse modelo melhorou o desempenho dos alunos em vários países


A partir de 2016, o governo de Goiás não estará sozinho na administração das 1.160 escolas do Estado. Em parte delas, haverá a ajuda de Organizações Sociais (OS) – entidades privadas sem fins lucrativos contratadas pelo Estado para prestar serviços públicos. Na prática, as escolas passarão a ter administradores profissionais. No modelo das OSs, deixa de ser responsabilidade do diretor da escola o bom funcionamento dos banheiros, dos computadores, da cozinha ou da segurança. Na OS, o diretor dedica-se exclusivamente às questões pedagógicas e à relação entre alunos, professores e a comunidade. “A desestatização da educação é inexorável. O Brasil precisa acordar para isso”, diz Ricardo Paes de Barros, economista-chefe da Cátedra Instituto Ayrton Senna no Insper, escola de economia e administração de São Paulo.
Sala de aula numa escola charter,em Nova Orleans,nos Estados Unido  (Foto:  Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor via Getty Images)

A importância – e a oportunidade – da iniciativa de Goiás é realçada pela polêmica causada  pelo  projeto de reorganização das escolas da rede pública de São Paulo. Faz sentido uma Secretaria de Educação, responsável por mais de 4 milhões de alunos (20,6% dos estudantes do país), como a de São Paulo, ocupar-se ainda com a administração de suprimentos, de segurança, de reparos e obras de mais de 5.500 escolas e com a administração de recursos humanos de 251 mil professores? O mesmo questionamento pode se estender à gestão de todas as demais redes públicas do país.
A experiência de Goiás com as OS começará em 200 escolas do 6o ao 9o ano e de ensino médio. Nelas, haverá uma administração profissional, enquanto a parte pedagógica permanecerá nas mãos do Estado. A princípio, não haverá metas de expansão. Tudo dependerá dos resultados. “Nosso objetivo é fazer tudo com muito cuidado e com o acompanhamento minucioso do dia a dia da escola”, diz Raquel Teixeira, secretária de Educação de Goiás.
A única experiência similar a essa no Brasil ocorreu em Pernambuco. Por dez anos, entre 2001 e 2011, o Estado recorreu ao modelo de OS para estruturar e administrar 20 escolas de ensino médio de período integral. Elas serviram como laboratório de inovações administrativas e pedagógicas. Depois de testá-las, o Estado replicou as práticas mais eficazes por sua rede e encerrou a experiência das OS para não criar ilhas de excelência e aumentar a disparidade na rede pública. Hoje, há 328 escolas integrais e semi-integrais em Pernambuco.  Em 2001, a taxa de desistência dos estudantes do ensino médio era de 24,5%. Hoje, esse índice é de 3,5%. Nas escolas integrais e semi-integrais, a taxa é de apenas 1,3%.
A experiência que existiu em Pernambuco e existirá em Goiás é novidade no Brasil, mas não no mundo. Estados Unidos, Inglaterra, Chile, Suécia e Portugal estão entre os países com parceria público-privada na educação. Quando bem-sucedido, esse modelo mostra melhora significativa de resultados em comparação com a média das escolas públicas. Os Estados Unidos têm a maior experiência com esse modelo, que lá existe há 22 anos. São 6.400 escolas charter, como são chamadas,  com mais de 2,5 milhões de estudantes (leia o artigo na página 78).  Por lá, a maior parte dos casos, a gestão pedagógica também sai das mãos do Estado.
O maior estudo sobre as charters, finalizado neste ano pela Universidade Stanford, na Califórnia, mostra que, em média, os alunos negros e hispânicos têm desempenho superior em matemática e leitura ao de seus colegas da rede pública com a mesma origem. Isso mostra uma vocação das charters americanas: são escolas com grande capacidade de impacto nos grupos sociais em que a estrutura familiar e cultural não costuma ajudar (e pode até prejudicar) o aprendizado.
A vantagem de ter administradores profissionais à frente da gestão das charters é perceptível logo na estrutura das escolas: os prédios são mais bem cuidados, há mais laboratórios e equipamentos para experimentações. A presença de educadores concentrados na tarefa de educar melhora o currículo e a formação dos professores. As aulas tendem a ser mais bem preparadas e com melhor aproveitamento dos recursos da escola.
O desafio das charters é aumentar o alcance, sem perder qualidade. Como ilhas de excelência, elas se mostram eficientes. Porém, a expansão da rede costuma trazer problemas. O modelo exige acompanhamento e regulação estrita. Nos Estados Unidos, o número de escolas charter com resultados superiores aos das escolas públicas comuns caiu à medida que a rede se expandiu. Nas áreas urbanas, o índice de escolas charter cujos alunos têm desempenho superior ao das puramente públicas, em matemática e leitura, caiu de 70% para 43%. Nos últimos anos, houve o fechamento de 200 escolas charter por baixo desempenho. Outro problema é o uso de práticas excludentes, contrárias ao espírito das escolas públicas, para cavar bons resultados. A política de tolerância zero é uma delas. Nas escolas charter, o número de expulsão de alunos é dezenas de vezes superior ao das públicas. Em Chicago, enquanto o percentual de alunos expulsos na rede pública ficou em 0,8%, nas charters ele chegou a 54%. As escolas charter também possuem percentuais de estudantes deficientes muito menores que os da escola pública. “O controle pedagógico do Estado, como ocorre nas OS, é uma forma de evitar essas distorções”, diz Patrícia Guedes, do Instituto Itaú Social.
Suécia e Chile trazem lições de outro tipo de cuidado que se deve ter com o modelo de voucher, outro formato de parceria público-privada. Nele, o governo paga a vaga do aluno numa escola particular – como ocorre, no ensino superior, com o ProUni no Brasil. No Chile, as melhores escolas passaram a selecionar os melhores alunos. As escolas públicas viraram, então, o refúgio dos alunos que não foram aceitos pelas boas escolas. Na Suécia, o mecanismo de voucher, sem controle algum do Estado, causou uma crise generalizada na educação do país. Para atrair alunos (e receita), as escolas suecas passaram a investir em estrutura de shopping centers e tornaram-se permissivas com alunos. Em 2012, pela primeira vez, os suecos ficaram com notas abaixo da média mundial no programa internacional de  avaliação de estudantes (Pisa, na sigla em inglês), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os desafios que as parcerias público-privadas enfrentam não invalidam os avanços propiciados por elas. Nos Estados Unidos, as charters ajudaram a melhorar o desempenho de seus alunos. O Chile tem a melhor educação da América Latina. A qualidade da educação que o jovem brasileiro recebe hoje equivale à que o chileno recebia na década de 1960. O mérito desses países é mostrar que a educação pública não é sinônimo de educação estatal. Goiás começou a desbravar, aqui no Brasil, esse mesmo caminho.

Como a oposição driblou as fraudes e venceu a eleição na Venezuela

Lilian Tintori, esposa do líder da oposição venezuelana preso Leopoldo Lopez, celebra com os candidatos da coligação dos partidos da oposição venezuelana, durante uma coletiva de imprensa sobre a eleição em Caracas - 06/12/2015Se a Venezuela é uma ditadura, ou algo próximo disso, como a oposição conseguiu ganhar as eleições legislativas deste domingo, 6 de dezembro? A explicação passa pelas características únicas do autoritarismo chavista, mas também pela eficiente estratégia que a oposição adotou para reduzir o dano das maracutaias eleitorais no resultado final.
O presidente venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013, criou um estilo de governar que tirava sua legitimidade de uma aprovação popular aparentemente inabalável, confirmada seguidas vezes por meio do voto. Em dezessete anos de governo chavista, foram realizadas dezesseis eleições - para presidente, para governador, para prefeito, para a Assembleia Nacional, além de plebiscitos. O ex-presidente Lula se referia a isso quando disse, em 2005, que na Venezuela havia "democracia em excesso". Nada mais falso. As eleições, na Venezuela, servem para dar um verniz democrático ao regime, mas elas não transcorrem de maneira livre e justa.
As condições para a campanha eleitoral são desiguais. O governo utiliza em peso os recursos públicos para garantir a dependência da população em relação ao Estado, por meio de programas distributivistas (as chamadas misiones), do inchaço da máquina pública e da criação de milícias, que empregam até idosos, cuja missão é defender a "revolução". Além disso, o governo controla os canais de TV abertos - mesmo os que não pertencem ao Estado não se atrevem a fazer críticas ao governo, para não perder sua outorga, como já ocorreu no passado. Só há um jornal diário no país que questiona as políticas governamentais.
Mas o mais grave é a ausência de independência entre os poderes. O Executivo, sob o sistema chavista, controla o Ministério Público e os tribunais, desde a primeira instância até o Tribunal Supremo de Justiça. O CNE (Conselho Nacional Eleitoral) é totalmente subserviente aos mandos do governo. A cada eleição, o órgão máximo da justiça eleitoral cria novas dificuldades para a oposição ou fecha os olhos para violações evidentes da lei.
As eleições deste ano, por exemplo, já estavam viciadas muito antes da abertura das urnas, porque o peso dos distritos eleitorais foram alterados, com base em supostas modificações demográficas, com o único propósito de favorecer os candidatos chavistas. Distritos com grande número de eleitores da oposição passaram a ter direito a menos cadeiras na Assembleia, enquanto aqueles de maior controle chavista ganharam mais vagas.
Ao longo da jornada eleitoral deste domingo, a reportagem de VEJA percorreu mais de duas dezenas de centros de votação na capital, Caracas. Nos bairros mais pobres, havia sempre um toldo vermelho com cabos eleitorais chavistas a poucos metros dos centros de votação. Em um caso, o toldo estava exatamente em frente ao local de votação. Isso é absolutamente irregular pelas regras eleitorais do país, que proíbe a campanha boca de urna a menos de 200 metros dos centros de votação, mas a Guarda Nacional Bolivariana e a polícia nada faziam para coibir o fenômeno.

O regime chavista se utiliza também da estratégia da intimidação para afastar os eleitores da oposição. Os venezuelanos desconfiam que o voto, na verdade, não é secreto, pois é preciso fazer a identificação biométrica antes de se dirigir para a urna eletrônica. Essa desconfiança tem razão de ser: no passado, as assinaturas para um referendo que pretendia revogar o mandato de Hugo Chávez foram tornadas públicas por um deputado chavista e utilizadas para demitir funcionários públicos e excluir empresários de licitações governamentais. Valendo-se dessa desconfiança, alguns colectivos chavistas, como são chamadas as gangues armadas ligadas ao governo, ocuparam centros de votação em diversos pontos do país. É possível imaginar o temor dos eleitores de votar em um lugar tomado por civis armados e hostis. Até o meio-dia do dia 6, havia quinze centros de votação nessas condições. O CNE ignorou esses episódios.
Mas o momento mais delicado e vulnerável a fraudes é o do fechamento dos centros de votação e das urnas. Em outras eleições, muitas urnas permaneciam abertas por várias horas mesmo depois de as portas dos centros terem sido fechadas para os eleitores. Quando caía a noite e as ruas se esvaziavam, chegavam ônibus cheios de pessoas trazidas por militantes chavistas que eram levadas para dentro dos centros com o propósito de votar ilegalmente pelos eleitores que não haviam comparecido às urnas.
Nas eleições deste domingo, a oposição fez uma complexa operação para impedir esse tipo de fraude. Organizou-se uma vasta rede de observadores (testigos, ou testemunhas), cadastrados junto ao CNE, cuja missão era permanecer dentro dos centros de votação após o encerramento do pleito até que se fechassem as urnas. Este momento é importante por dois motivos: primeiro, porque permite aos observadores conferir a contagem eletrônica dos votos, que é impressa instantaneamente, e segundo porque lhes dá a chance de exigir, como manda a lei, que se abra mais da metade das urnas convencionais, onde se depositam as cédulas de papel que servem para auferir a votação digital.
Além dos testigos, alguns partidos políticos de oposição mantiveram milhares de observadores na maioria dos centros de votação do país. Esses cidadãos enviavam mensagens de texto com informações simples sobre o andamento da votação, inclusive com alertas de fraude, para os "bunkers" da oposição. As mensagens eram recebidas e catalogadas automaticamente por programas de computador.
Toda essa rede de informantes permitiu à oposição ter uma noção muito acurada dos resultados da eleição muito antes do anúncio oficial do CNE, que só foi feito depois da meia-noite. Às 23h, na sede de um partido em Caracas, os militantes já comemoravam em voz baixa o que estimavam ser a vitória de 113 deputados de oposição. Apesar de otimistas, davam como certo que algumas dessas cadeiras seriam solapadas de última hora na contagem da CNE, especialmente nos centros de votação em que a diferença de votos entre o candidato chavista e o de oposição era pequena.
Quanto à tática de levar militantes para votar na calada da noite em nome de eleitores que se abstiveram, a reportagem de VEJA presenciou uma cena interessante na favela de La Vega, em Caracas. Um pouco antes de o centro de votação instalado no colégio Amanda de Schnell ser fechado, a rua em frente já estava ocupada por moradores tomando batidas com rum e dançando funk. Eram todos eleitores da oposição, em um bairro que já foi majoritariamente chavista. Sua função ali era impedir que falsos eleitores fossem trazidos para o centro de última hora. Os moradores estavam certos de se preocupar. Afinal, o centro foi fechado às 19h e, apesar de não haver mais nenhum eleitor votando, um capitão do exército dizia para os observadores, como quem sugeria que era hora de ir para casa: "Ainda vai demorar muito para as urnas serem fechadas."
A fiscalização urna por urna feita por militantes da oposição e a coragem da população foi o que garantiu o resultado. Seria muito difícil para o CNE manipular os números em nível nacional depois disso. Foi a vitória da informação.

Publicidade federal para mídia alternativa vai a R$ 9,2 milhões em 2014 110

Fernando Rodrigues (UOL)
 
Estatais fornecem 91% do dinheiro para esse setor da mídia
Aumento total de 2013 para 2014, ano eleitoral, foi de 33,3% 

Veículos de audiência limitada e especializados em fazer cobertura de assuntos políticos ou econômicos tiveram um aumento de 33,2% das verbas federais de publicidade em 2014 sobre 2013. Saíram de R$ 6,9 milhões para R$ 9,2 milhões no ano passado, que teve eleições gerais no Brasil –e a presidente Dilma Rousseff foi reeleita.
Quem turbina a chamada mídia alternativa são as empresas estatais. Há pouco controle e quase nenhuma transparência sobre os gastos de propaganda das empresas comandadas pelo Palácio do Planalto. Os números sobre publicidade só são liberados quando o interessado faz um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação, como foi o caso do  Blog para esta série de reportagens a respeito de propaganda federal.
Dos R$ 9,2 milhões consumidos em propaganda em sites e em veículos impressos de audiência limitada, R$ 8,4 milhões saíram dos cofres das estatais. Ou seja, 91% do dinheiro estatal federal que faz comerciais nessa mídia alternativa sai dos cofres de empresas públicas.
Embora o dinheiro tenha origem nessas empresas, é o Palácio do Planalto que tem grande influência sobre como é realizada essa distribuição de verbas.
Três empresas são as mais propensas a estampar propaganda em veículos de baixa circulação: Petrobras (e subsidiárias), Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Todas são fortemente comandadas por pessoas indicadas pelo PT.
Os veículos considerados nesta reportagem são tidos, dentro do PT e em parte do governo federal, como iniciativas positivas na mídia. “É preciso ajudar essa nova mídia emergente”, disse uma vez neste ano ao Blog o ministro titular da Casa Civil da Presidência da República, Aloizio Mercadante.
Essa política produz um certo contraste entre o objetivo do governo –“ajudar essa nova mídia emergente”– e o interesse comercial das empresas estatais que gastam dinheiro nessa operação.
O Blog perguntou à Secom quais seriam os critérios reais para contratar publicidade nos sites da mídia alternativa. A resposta foi que são usadas “pesquisas e dados técnicos de mercado para identificar e selecionar a programação mais adequada'', sem detalhar exatamente do se trata essa estratégia.
As respostas das empresas contatadas pelo Blog também não são muito claras sobre qual seria a razão pela qual a Caixa ou Banco do Brasil precisam anunciar em sites com apenas 100 a 300 mil visitantes únicos por mês. No mundo digital, sites com menos de 1 milhão de visitantes únicos são considerados modestos. Em dezembro de 2014, o país tinha 72,8 milhões de usuários de internet, segundo dados da Nielsen.
Investir num site ou blog com baixa audiência só se justifica se ali há realmente uma audiência muito qualificada que ajuda a vender o produto anunciado.
Nenhuma das estatais contatadas pelo Blog explicou de maneira substantiva qual teria sido o retorno ao gastar dinheiro em sites de baixa audiência.
O custo para anunciar na internet é difícil de ser apurado. Os sites e portais têm tabelas variadas para precificar o que é chamado de CPM (custo por mil).
Funciona assim: o anunciante diz quantas vezes deseja que seu anúncio seja visto e o site cobra um valor específico para cada 1.000 visualizações (“page views” ou “impressões, no jargão do mercado).
Ocorre que os dados oficiais divulgados pela Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto não contêm esse detalhamento. Sabe-se apenas o nome do anunciante (uma empresa estatal ou ministério), o valor gasto para publicação do anúncio e o nome de quem ganhou o dinheiro. O Blog está divulgando hoje todas as planilhas de dados recebidas, para os anos 2000 a 2014.
Para estimar a desproporção entre os custos de publicidade estatal em vários sites e portais, o Blog considerou o número de visitantes únicos que passa por esses veículos mensalmente. Há várias empresas especializadas para fazer essa medição. O Blog usou a métrica da Nielsen.
[contexto: “visitante único'' é o usuário de um site que é contabilizado apenas uma vez quando passa por uma página na internet durante o período de 1 mês. É diferente da audiência medida em páginas vistas, ou “page views'', que registra o número de cliques que todos os usuários dão numa determinada página].
Uma vez apurado o número de visitantes únicos, calculou-se para esta reportagem qual foi a média mensal que cada veículo recebeu de verbas publicitárias estatais federais. Ao cruzar os 2 dados, chega-se ao valor de cada “visitante único”.
Dois quadros mostram todas essas informações.
Uma das tabelas apresenta o cálculo sobre quanto custa por visitante único para o governo anunciar em sites e veículos de pequena audiência e qual é o custo em grandes portais.
O quadro seguinte mostra quanto cada um desses veículos alternativos ganhou de dinheiro para publicar publicidade estatal federal nos últimos anos.
(clique nas imagens para ampliar)
01-Tabela-custos-alternativos-02jul2015
02-Tabela-alternativos-geral-02jul201503-Tabela-alternativos-metodologia-02jul2015
AUDIÊNCIA
Como se observa nas tabelas acima, a audiência de vários veículos subiu de 2013 para 2014. Ocorre que quase todos partiram de uma base muito baixa.
Outro fato a se considerar é que a audiência de grandes portais também cresceu no mesmo período. O mercado de internet está em expansão. Crescer é a regra. Aumentar o número de visitantes únicos é algo mais ou menos normal e esperado.
Por exemplo, a audiência do UOL, maior portal do país, saiu de 35,3 milhões de visitantes únicos em dezembro de 2013 para 39,8 milhões em dezembro de 2014.
Nesse cenário, a audiência um pouco maior dos veículos alternativos usados pelo governo para fazer publicidade ainda é insuficiente para provar que são –do ponto de vista comercial– um bom negócio para divulgar anúncios.
Por exemplo, no caso de portais como Globo.com/G1 e UOL, o custo por visitante único (se todos fossem atingidos com um anúncio num mês) seria de R$ 0,03 (3 centavos) –considerando-se a audiência desses portais e o quanto o governo pagou para colocar propaganda nas suas páginas.
Já em um site como o Brasil 247, o custo por visitante único no mês sai por R$ 0,15. Esses 15 centavos representam um aumento de 400% sobre o que é pago aos grandes portais.
O site comandado pelo jornalista Luís Nassif tem um custo por visitante único um pouco maior do que o do Brasil 247 quando se trata de publicidade estatal federal: R$ 0,17.
No site Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, o custo por visitante único para os anunciantes do governo federal é de R$ 0,27. Dito de outra forma, fica 800% maior do que nos grandes portais.
Há algumas situações em que a relação “audiência X custo por visitante” fica favorável ao governo. Trata-se, por exemplo, do site DCM, do jornalista Paulo Nogueira. Com 701 mil pessoas passando pela sua página em dezembro do ano passado, o custo para a propaganda estatal federal ficou em R$ 0,02 por visitante único –um pouco abaixo dos 3 centavos que se observa nos grandes portais.
Mas há uma ressalva a ser feita: essa relação custo-benefício no caso do site DCM ocorre porque a empresa de Paulo Nogueira recebeu bem menos dinheiro de publicidade do que outros veículos da mídia alternativa.
Enquanto o Brasil 247 ficou com 1,5 milhão em 2014, o site DCM teve R$ 210 mil.

O CASO DO “BRASIL ECONÔMICO''

Um caso interessante de crescimento de receitas publicitárias no meio impresso é jornal “Brasil Econômico”, que tem entre os proprietários o grupo português Ongoing.
Mesmo sem ser auditado pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação) e tendo uma audiência pequena na web (82 mil visitantes únicos em dezembro de 2014), o “Brasil Econômico” conseguiu aumentar suas verbas publicitárias estatais federais em 60% no ano passado.
O diário financeiro saiu de um faturamento de R$ 2,2 milhões em 2013 para R$ 3,6 milhões em 2014. Desse total no ano passado, quase tudo veio de empresas estatais (R$ 3,4 milhões).
O “Brasil Econômico” já existe há mais de meia década, mas ainda não se firmou de maneira robusta no mercado. Tem boas relações com o governo desde o início. Logo no lançamento, contratou a então mulher do ex-ministro José Dirceu (condenado no mensalão), Evanise dos Santos.
Hoje, Evanise não é mais casada com Dirceu. Ocupa o cargo de diretora de relações governamentais do “Brasil Econômico”. Ela afirmou ao Blog que cabe à Secom e aos órgãos que optaram por fazer publicidade no seu veículo explicar os critérios da escolha.

(Colaborou nesta reportagem Bruno Lupion, do UOL, em Brasília).

Prisão após 2ª instância: quais ministros do STF mudaram de opinião – e de voto?

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de conceder uma liminar monocrática autorizando presos condenados em segunda instância a ped...