O estado vai transferir escolas para Organizações Sociais. Esse modelo melhorou o desempenho dos alunos em vários países
A partir de 2016, o governo de Goiás não estará sozinho na administração das 1.160 escolas do Estado. Em parte delas, haverá a ajuda de Organizações Sociais
(OS) – entidades privadas sem fins lucrativos contratadas pelo Estado
para prestar serviços públicos. Na prática, as escolas passarão a ter
administradores profissionais. No modelo das OSs, deixa de ser
responsabilidade do diretor da escola o bom funcionamento dos banheiros,
dos computadores, da cozinha ou da segurança. Na OS, o diretor dedica-se exclusivamente às questões pedagógicas e à relação entre alunos, professores e a comunidade. “A desestatização da educação é inexorável. O Brasil precisa acordar para isso”, diz Ricardo Paes de Barros, economista-chefe da Cátedra Instituto Ayrton Senna no Insper, escola de economia e administração de São Paulo.
A importância – e a oportunidade – da iniciativa de
Goiás é realçada pela polêmica causada pelo projeto de reorganização
das escolas da rede pública de São Paulo. Faz sentido uma Secretaria de Educação, responsável por mais de 4 milhões de alunos
(20,6% dos estudantes do país), como a de São Paulo, ocupar-se ainda
com a administração de suprimentos, de segurança, de reparos e obras de
mais de 5.500 escolas e com a administração de recursos humanos de 251 mil professores? O mesmo questionamento pode se estender à gestão de todas as demais redes públicas do país.
A experiência de Goiás com as OS começará em 200 escolas do 6o ao 9o ano e de ensino médio.
Nelas, haverá uma administração profissional, enquanto a parte
pedagógica permanecerá nas mãos do Estado. A princípio, não haverá metas
de expansão. Tudo dependerá dos resultados. “Nosso objetivo é fazer
tudo com muito cuidado e com o acompanhamento minucioso do dia a dia da
escola”, diz Raquel Teixeira, secretária de Educação de Goiás.
A única experiência similar a essa no Brasil ocorreu em Pernambuco. Por dez anos, entre 2001 e 2011, o Estado recorreu ao modelo de OS para estruturar e administrar 20 escolas de ensino médio de período integral. Elas serviram como laboratório de inovações
administrativas e pedagógicas. Depois de testá-las, o Estado replicou
as práticas mais eficazes por sua rede e encerrou a experiência das OS
para não criar ilhas de excelência e aumentar a disparidade na rede
pública. Hoje, há 328 escolas integrais e semi-integrais em Pernambuco. Em 2001, a taxa de desistência dos estudantes do ensino médio era de 24,5%. Hoje, esse índice é de 3,5%. Nas escolas integrais e semi-integrais, a taxa é de apenas 1,3%.
A experiência que existiu em Pernambuco e existirá em Goiás é novidade no Brasil, mas não no mundo. Estados Unidos, Inglaterra, Chile, Suécia e Portugal estão
entre os países com parceria público-privada na educação. Quando
bem-sucedido, esse modelo mostra melhora significativa de resultados em
comparação com a média das escolas públicas. Os Estados Unidos têm a maior experiência com esse modelo, que lá existe há 22 anos. São 6.400 escolas charter, como são chamadas, com mais de 2,5 milhões de estudantes (leia o artigo na página 78). Por lá, a maior parte dos casos, a gestão pedagógica também sai das mãos do Estado.
O maior estudo sobre as charters, finalizado neste ano pela Universidade Stanford, na Califórnia, mostra que, em média, os alunos negros e hispânicos têm desempenho superior
em matemática e leitura ao de seus colegas da rede pública com a mesma
origem. Isso mostra uma vocação das charters americanas: são escolas com
grande capacidade de impacto nos grupos sociais em que a estrutura
familiar e cultural não costuma ajudar (e pode até prejudicar) o
aprendizado.
A vantagem de ter administradores profissionais à frente da gestão das charters é perceptível logo na estrutura das escolas: os prédios são mais bem cuidados, há mais laboratórios e equipamentos para experimentações. A presença de educadores concentrados na tarefa de educar melhora o currículo e a formação dos professores. As aulas tendem a ser mais bem preparadas e com melhor aproveitamento dos recursos da escola.
O desafio das charters é aumentar o alcance, sem
perder qualidade. Como ilhas de excelência, elas se mostram eficientes.
Porém, a expansão da rede costuma trazer problemas. O modelo exige acompanhamento
e regulação estrita. Nos Estados Unidos, o número de escolas charter
com resultados superiores aos das escolas públicas comuns caiu à medida
que a rede se expandiu. Nas áreas urbanas, o índice de escolas charter
cujos alunos têm desempenho superior ao das puramente públicas, em
matemática e leitura, caiu de 70% para 43%. Nos últimos anos, houve o fechamento de 200 escolas
charter por baixo desempenho. Outro problema é o uso de práticas
excludentes, contrárias ao espírito das escolas públicas, para cavar bons resultados.
A política de tolerância zero é uma delas. Nas escolas charter, o
número de expulsão de alunos é dezenas de vezes superior ao das
públicas. Em Chicago, enquanto o percentual de alunos expulsos na rede
pública ficou em 0,8%, nas charters ele chegou a 54%.
As escolas charter também possuem percentuais de estudantes deficientes
muito menores que os da escola pública. “O controle pedagógico do
Estado, como ocorre nas OS, é uma forma de evitar essas distorções”, diz
Patrícia Guedes, do Instituto Itaú Social.
Suécia e Chile trazem lições de outro tipo de cuidado que se deve ter com o modelo de voucher,
outro formato de parceria público-privada. Nele, o governo paga a vaga
do aluno numa escola particular – como ocorre, no ensino superior, com o ProUni no Brasil. No Chile, as melhores escolas passaram a selecionar os melhores alunos. As escolas públicas viraram, então, o refúgio dos alunos que não foram aceitos pelas boas escolas. Na Suécia, o mecanismo de voucher, sem controle algum do Estado, causou uma crise generalizada
na educação do país. Para atrair alunos (e receita), as escolas suecas
passaram a investir em estrutura de shopping centers e tornaram-se
permissivas com alunos. Em 2012, pela primeira vez, os suecos ficaram
com notas abaixo da média mundial no programa internacional de avaliação de estudantes (Pisa, na sigla em inglês), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os desafios que as parcerias público-privadas enfrentam não invalidam os avanços propiciados por elas. Nos Estados Unidos, as charters ajudaram a melhorar o desempenho de seus alunos. O Chile tem a melhor educação da América Latina. A qualidade da educação que o jovem brasileiro recebe hoje equivale à que o chileno recebia na década de 1960. O mérito desses países é mostrar que a educação pública não é sinônimo de educação estatal. Goiás começou a desbravar, aqui no Brasil, esse mesmo caminho.
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