Nas eleições presidenciais e estaduais de 2014, o Brasil assistiu a
uma onda de discursos agressivos, especialmente nas redes sociais, que
se dividiam em dois lados: os de esquerda e os de direita, associadas
pela maioria aos partidos PT e PSDB, respectivamente.
Definir
um posicionamento polÃtico apenas pelo viés partidário pode ser uma
armadilha repleta de estereótipos, já que essa divisão binária não
reflete a complexidade e contradições da sociedade. O fato é que não
existe um consenso quanto a uma definição comum e única de esquerda e
direita. Existem “várias esquerdas e direitas”. Isso porque esses
conceitos são associados a uma ampla gama de pensamentos polÃticos.
Origem dos termos
As
ideologias “esquerda” e “direita” foram criadas durante as assembleias
francesas do século 18. Nessa época, a burguesia procurava, com o apoio
da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Era a
primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799).
Com a Assembleia
Nacional Constituinte montada para criar a nova Constituição, as
camadas mais ricas não gostaram da participação das mais pobres, e
preferiram não se misturar, sentando separadas, do lado direito. Por
isso, o lado esquerdo foi associado à luta pelos direitos dos
trabalhadores, e o direito ao conservadorismo e à elite.
Dentro
dessa visão, ser de esquerda presumiria lutar pelos direitos dos
trabalhadores e da população mais pobre, a promoção do bem estar
coletivo e da participação popular dos movimentos sociais e minorias. Já
a direita representaria uma visão mais conservadora, ligada a um
comportamento tradicional, que busca manter o poder da elite e promover o
bem estar individual.
Com o tempo, as duas expressões passaram a
ser usadas em outros contextos. Hoje, por exemplo, os partidários que se
colocam contra as ações do regime vigente (oposição) seriam entendidos
como “de esquerda” e os defensores do governo em vigência (situação)
seriam a ala “de direita”.
Para o filósofo polÃtico Noberto Bobbio
, embora os dois lados realizem reformas, uma diferença seria que a
esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha
pela liberdade individual.
Após a queda do Muro de Berlim (1989),
que pôs fim à polarização EUA x URSS, um novo cenário polÃtico se abriu.
Por isso, hoje, as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ parecem não dar
conta da diversidade polÃtica do século 21. Isso não quer dizer que a
divisão não faça sentido, apenas que ‘esquerda’ e ‘direita’ não são
palavras que designam conteúdos fixados de uma vez para sempre. Podem
designar diversos conteúdos conforme os tempos e situações.
“Esquerda
e direita indicam programas contrapostos com relação a diversos
problemas cuja solução pertence habitualmente à ação polÃtica,
contrastes não só de ideias, mas também de interesses e de valorações a
respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem
em toda a sociedade e que não vejo como possam simplesmente
desaparecer. Pode-se naturalmente replicar que os contrastes existem,
mas não são mais do tempo em que nasceu a distinção”, escreve Bobbio no
livro “Direita e Esquerda – Razões e Significados de uma Distinção
PolÃtica”.
No Brasil, essa divisão se fortaleceu no perÃodo da
Ditadura Militar, onde quem apoiou o golpe dos militares era considerado
da direita, e quem defendia o regime socialista, de esquerda.
Com
o tempo, outras divisões apareceram dentro de cada uma dessas
ideologias. Hoje, os partidos de direita abrangem conservadores,
democratas-cristãos, liberais e nacionalistas, e ainda o nazismo e
fascismo na chamada extrema direita.
Na esquerda, temos os
social-democratas, progressistas, socialistas democráticos e
ambientalistas. Na extrema-esquerda temos movimentos simultaneamente
igualitários e autoritários.
Há ainda posição de “centro”. Esse
pensamento consegue defender o capitalismo sem deixar de se preocupar
com o lado social. Em teoria, a polÃtica de centro prega mais tolerância
e equilÃbrio na sociedade. No entanto, ela pode estar mais alinhada com
a polÃtica de esquerda ou de direita. A origem desse termo vem da Roma
Antiga, que o descreve na frase: “In mediun itos” (a virtude está no
meio).
A polÃtica de centro também pode ser chamada de “terceira
via”, que idealmente se apresenta não como uma forma de compromisso
entre esquerda e direita, mas como uma superação simultânea de uma e de
outra.
Essas classificações estariam divididas no que podemos chamar de uma “régua” ideológica:
EXTREMA-ESQUERDA | ESQUERDA | CENTRO-ESQUERDA | CENTRO | CENTRO-DIREITA | DIREITA | EXTREMA-DIREITA
Para
os brasileiros a diferença entre as ideologias não parece tão clara. Em
2014, durante as eleições, a agência Hello Research fez um levantamento
em 70 cidades das cinco regiões do Brasil perguntando como os
brasileiros se identificavam ideologicamente. Dos 1000 entrevistados,
41% não souberam dizer se eram ideologicamente de direita, esquerda ou
centro.
A porcentagem dos que se declaram de direita e esquerda
foi a mesma: 9%. Em seguida vem centro-direita (4%), centro-esquerda e
extrema-esquerda, ambas com 3%, e extrema-direita (2%). Quando a
pergunta foi sobre a tendência ideológica de sete partidos (DEM, PT,
PSDB, PSB, PMDB, PV, PDT, Psol, PSTU), mais de 50% não souberam
responder.
Em determinados momentos da história, ambas as
ideologias assumiram posturas radicais e, nessa posição, tiveram efeitos
e atitudes muito parecidas, como a interferência direta do Estado na
vida da população, uso de violência e censura para contra opositores e a
manutenção de um mesmo governo ou liderança no poder.
Ao longo do
século 20, parte do pensamento de esquerda foi associada a bases
ideológicas como marxismo, socialismo, anarquismo, desenvolvimentismo e
nacionalismo anti-imperialista (que se opõe ao imperialismo).
O
mesmo perÃodo viu florescer Estados de ideologias totalitárias como o
nazismo (1933-1945), fascismo (1922-1943), franquismo (1939-1975) e
salazarismo (1926-1974), que muitas vezes se apropriaram de discursos da
esquerda e da direita.
Outro tema fundamental para as duas
correntes é a visão sobre a economia. Os de esquerda pregam uma economia
mais justa e solidária, com maior distribuição de renda. Os de direita
seriam associados ao liberalismo, doutrina que na economia pode indicar
os que procuram manter a livre iniciativa de mercado e os direitos Ã
propriedade particular. Algumas interpretações defendem a total não
intervenção do governo na economia, a redução de impostos sobre
empresas, a extinção da regulamentação governamental, entre outros.
Mas
isso não significa que um governo de direita não possa ter uma
influência forte no Estado, como aconteceu na Ditadura. Em regimes
não-democráticos, a direita é associada a um controle total do Estado.
O
termo neoliberalismo surgiu a partir dos anos 1980, associados aos
governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, que devido à crise
econômica do petróleo, privatizaram muitas empresas públicas e cortaram
gastos sociais para atingir um equilÃbrio fiscal. Era o fim do chamado
Estado de Bem-Estar Social e o começo do Estado MÃnimo, com gastos
enxutos.
Para a esquerda, o neoliberalismo é associado à direita e
teria como consequências a privatização de bens comuns e espaços
públicos, a flexibilização de direitos conquistados e a desregulação e
liberalização em nome do livre mercado, o que poderia gerar mais
desigualdades sociais.
O liberalismo não significa necessariamente
conservadorismo moral. Na raiz, o adjetivo liberal é associado à pessoa
que tem ideias e uma atitude aberta ou tolerante, que pode incluir a
defensa de liberdades civis e direitos humanos. Já o conservador seria
aquele com um pensamento tradicional. Na polÃtica, o conservadorismo
busca manter o sistema polÃtico existente, que seria oposto ao
progressismo.
Direita e esquerda também têm a ver com questões
morais. Avanços na legislação em direitos civis e temas como aborto,
casamento gay e legalização das drogas são vistas como bandeiras da
esquerda, com a direita assumindo a defesa da famÃlia tradicional. Nos
Estados Unidos, muitos eleitores se identificam com a chamada direita
cristã, que defendem a interferência da religião no Estado.
No
entanto, vale destacar que hoje muitos membros de partidos tidos como
centro-direita defendem tais bandeiras da esquerda, exceto nos partidos
de extrema-direita (como podemos observar na Europa), que são associados
ao patriotismo, com discurso forte contra a imigração (xenofobia).
Andréia Martins
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