O ex-senador Luiz Estevão paga sua dívida pela condenação no escândalo dos desvios do TRT de São Paulo alugando imóveis para a União por meio de laranjas
Claudio Dantas Sequeira
Não é todo dia que um político condenado
concorda em devolver o que roubou com juros e multa. Por isso, o acordo
celebrado em 2012 entre a Advocacia Geral da União (AGU) e o Grupo Ok,
do ex-senador Luiz Estevão, surpreendeu a todos. Condenado pelo desvio
de R$ 169 milhões na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo,
Estevão aceitou devolver à União R$ 468 milhões. Do total, R$ 80 milhões
à vista e R$ 388 milhões em 96 vezes de R$ 4,1 milhões atualizados pela
taxa Selic. Ocorre que esse é justamente o valor que o político e
empresário obtém hoje com o aluguel mensal de dez imóveis ocupados por
ministérios, autarquias e por uma secretaria do governo do Distrito
Federal. Por meio de reajustes de até 60% e da assinatura de novos
contratos com empresas laranjas, Estevão multiplicou sua renda extra de
R$ 2,6 milhões para R$ 4,3 milhões. Com isso, não precisa desembolsar um
centavo para quitar sua dívida. Quem paga é a própria União e, em
última análise, o cidadão. Ou seja, Luiz Estevão continua aprontando das
suas para obter vantagens, reeditando o comportamento que o notabilizou
durante toda a sua trajetória política e empresarial. Só que agora sua
jogada é mais do que inacreditável: ele repara os danos que ele mesmo
causou ao erário com dinheiro da própria União.
ELE NÃO MUDA
Cassado por envolvimento nos desvios do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
Luiz Estevão continua tentando levar vantagem em tudo
Cassado por envolvimento nos desvios do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
Luiz Estevão continua tentando levar vantagem em tudo
A AGU já identificou que as empresas que alugam para a União são de
laranjas de Luiz Estevão. Umas delas, inclusive, é gerida por uma filha
do ex-senador. Mesmo assim, para a AGU, não há conflito ético em Estevão
quitar sua dívida com dinheiro do próprio erário, nem vê problemas no
fato de o governo federal ter como senhorio um ex-senador cassado, que
responde por diferentes crimes e que já foi condenado no Superior
Tribunal de Justiça a 31 anos de prisão por crimes como corrupção ativa,
estelionato e formação de quadrilha. “A União precisa de imóveis para
abrigar suas repartições. Não dá para ficar escolhendo”, argumenta o
procurador-geral da União, Paulo Khun. Para ele, trocar os aluguéis pela
dívida foi a melhor solução. “Os processos poderiam se arrastar
indefinidamente e nunca recuperaríamos o que foi desviado”, diz. A AGU
chegou a tentar tomar os imóveis, mas Estevão conseguiu embargar a
medida judicialmente. Khum ressalta que o Grupo Ok também retirou todos
os recursos judiciais que impediam o andamento do processo.
Por ironia, um dos principais inquilinos do ex-senador condenado é a
Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, órgão que concentra todos
os dados de operações policiais do País. O contrato foi assinado em
2011, entre o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, e a jovem empresária
Fernanda Meireles Estevão de Oliveira Resende, filha do ex-senador que
aparece como responsável e administradora da empresa LCC
Empreendimentos, uma das companhias que Estevão abriu em nome de
laranjas, entre eles Carlos Estevão Taffner. A PF paga por ano R$ 3
milhões e o contrato é reajustado a cada 12 meses. No mesmo complexo,
está o Instituto Chico Mendes, que desembolsa R$ 716 mil mensais pelo
espaço.
A LCC Empreendimentos também recebe cerca de R$ 657 mil pelo aluguel
de imóveis nas asas Sul e Norte do Plano Piloto. Um conjunto de salas é
ocupado pela Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), responsável por todas as
compras e licitações da pasta. Mas a maior parte dos contratos de
aluguel de imóveis de Estevão para a União foi firmada pela Inovar
Construções e Empreendimentos Imobiliários, registrada em nome de
Guilherme e Amanda Taffner. Para a Procuradoria-Geral da União, são
claros os “indícios de desvio patrimonial” por meio da formação de um
grupo econômico informal. “Quando houve o bloqueio dos bens em 2000, os
filhos de Estevão eram adolescentes. Não tinham condições de ser donos
de empresas com esse patrimônio”, explica um dos integrantes do grupo de
investigação. Por meio do cruzamento das matrículas dos imóveis e dos
contratos sociais dessas empresas, foram mapeados 1.388 imóveis de
propriedade do ex-senador, incluindo apartamentos residenciais, salas
comerciais, fazendas e edifícios.
Até setembro deste ano, a Inovar recebeu da União mais de R$ 17
milhões em contratos de aluguel com órgãos federais. Muitos desses
contratos foram firmados com dispensa de licitação e tiveram aditivos de
até 25%, pois foram feitos com base na Lei 8.666. O mercado imobiliário
usa o IGP-M com índice de reajuste. Por meio da Inovar, um dos maiores
contratos de Estevão com o poder público foi celebrado com a Funai: R$
16,8 milhões. Em maio, foram empenhados de uma só vez cerca de R$ 8,4
milhões. Nesse mesmo mês, o diretor de Administração do órgão, Antonio
Carlos Futuro, nomeou como fiscais do contrato da Funai com a Inovar a
agente em indigenismo Maria Tereza Passarela e o motorista Elizeu
Edílson Vasconcelos dos Santos. Como cabe a cada órgão firmar e gerir
seus próprios contratos de locação, não há como a AGU saber se os
valores são justos ou superfaturados. Muito menos checar se há desvios.
Luiz Estevão sabe bem disso.
Fotos: Daniel Ferreira/CB; Adriano Machado
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