Alvo da Operação Lava Jato, a Premium I deveria ser
maior que Abreu e Lima, mas só trouxe gastos e transtornos sem sequer
sair do papel
BANDIDAGEM O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, a então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, a governadora do Maranhão Roseana Sarney e o ex-presidente Lula durante lançamento da pedra fundamental da Refinaria Premium I no Maranhão em 2010
Dia 15 de janeiro de 2010. Num palanque montado na pequena cidade
de Bacabeira, no Maranhão, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
discursava sobre a possibilidade de equiparar a economia do Nordeste à
do Sudeste: "Por trás de um empreendimento desses, virão hotéis,
restaurantes, estradas e uma série de coisas que nós ainda não
conseguimos enxergar". Lula referia-se à construção daquela que seria a
maior refinaria do país e a quinta maior do mundo, a Premium I, cuja
pedra fundamental era lançada naquele instante. Junto a ele estavam
petistas e aliados de outrora: a ministra chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, o ministro de Minas
e Energia Edison Lobão e o presidente da Petrobras Sergio Gabrielli.
No meio da plateia, a agricultora Maria José de Sousa, de 53 anos,
assistia atenta à cerimônia. Era a primeira vez que via aquelas ilustres
figuras no município de 16.000 habitantes, a 40 quilômetros de São
Luís. De todos os discursos que ouviu, o que mais lhe chamou atenção foi
o da governadora Roseana, que prometeu pagar uma bolsa de 500 reais e
dar uma casa nova às famílias que moravam no terreno onde seria
instalada a refinaria.
Maria José estava feliz com a possibilidade de ser uma das
beneficiárias. Para isso, precisaria abrir mão da área onde morava e
entregá-la à Petrobras. Em troca, ganharia uma casa num conjunto
habitacional com outras cerca de 200 famílias cujas terras seriam
desapropriadas. A expectativa mudança ainda lhe causava um frio na
barriga. "Todo mundo da comunidade foi para lá ver o Lula. Mas não
conseguimos chegar muito perto porque tinha muita gente. A refinaria
criou muita expectativa no nosso povo. Achávamos que nossa vida ia
melhorar muito, que teria emprego para nossos filhos e netos", afirmou.
Passados cinco anos do evento, Maria José e as demais famílias da
cidade vivem precariamente. Não recebem em dia os benefícios prometidos
pela então governadora, não possuem o emprego garantido por Lula e não
podem continuar plantando, já que suas terras pertencem à estatal e se
tornaram impróprias para o plantio, devido à terraplanagem da área. O
cenário é de miséria total.
Quase Pasadena
A Premium I foi idealizada pelo governo petista dentro da estratégia
megalomaníaca de refinar petróleo no Brasil para transformar o país em
exportador de óleo diesel. Abreu e Lima existe para provar que o plano
deu errado. Prevista para custar 2 bilhões de dólares, a obra está
inacabada, já drenou 18 bilhões de dólares do caixa da Petrobras e foi
alvo de investidas corruptas de ex-diretores da estatal, de acordo com
as investigações da Operação Lava Jato. Analistas garantem que
dificilmente a refinará dará à empresa o retorno do que foi investido.
Depois da descoberta do pré-sal, o então presidente da República usou
a política de refino para angariar apoio político em alguns Estados,
sob o pretexto de trazer desenvolvimento regional — e o Maranhão se
enquadra nesse xadrez. Mas, diante do choque de realidade com o qual a
Petrobras se deparou nos últimos três anos, as empreitadas não só foram
canceladas (além da Premium I, a Premium II, no Ceará, também saiu do
radar), como a Petrobras recentemente anunciou mudanças em toda a sua
estratégia: investirá prioritariamente em exploração de petróleo, não
mais em refino. Levando em conta os altos custos de produção no Brasil e
a queda do preço do barril do petróleo no mundo, a estatal deu-se conta
de que o refino é um péssimo negócio para países cuja indústria não é
competitiva, como o Brasil.
Ao site de Veja, um ex-conselheiro da estatal disse, sob condição de
anonimato, que a refinaria maranhense já havia sido descartada em 2012.
"Quando Graça assumiu, ela deixou bem claro que as refinarias só sairiam
quando se provassem economicamente viáveis. A Premium não era, e ela
sabia", afirmou o conselheiro. A petroleira chinesa Sinopec se
interessou pelo empreendimento, mas não conseguiu concordar com a
Petrobras quanto à taxa de rentabilidade mínima. A chinesa pedia 12% e a
Petrobras queria 8,7%. Em áudio obtido pelo jornal O Globo,
Graça Foster comparou a Premium I ao fiasco de Pasadena. Foi justamente a
taxa de retorno mínimo, chamada de Cláusula Marlim, que elevou em quase
800 milhões de dólares o rombo da refinaria americana no caixa da
estatal. "Como a gente pode garantir a eles uma taxa de 12% ao ano? É a
cláusula Marlim vezes dois", disse, entre risos.
Lava Jato
Antes de ser cancelada, a Premium I passou por apenas uma obra: a
terraplanagem da área, que custou 583 milhões de reais. Mas até uma
atividade tão corriqueira no setor de infraestrutura foi, tudo indica,
alvo de contravenção. O Tribunal de Contas da União apontou
superfaturamento no contrato com empresas de tratores, além da falta de
estudos de viabilidade técnica. O balanço da Petrobras de 2014 relata
baixa contábil de 2 bilhões de reais com a refinaria.
O serviço de terraplanagem também abriu um leque de possibilidades
para os envolvidos na Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal
(MPF) detectou indícios de pagamento de propina a políticos para
direcionar os contratos da Premium ao consórcio formado pelas
empreiteiras Galvão Engenharia, Serveng e Fidens. A Premium I também
aparece nos depoimentos de delação premiada do ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto
Youssef. Eles relataram à PF que as construtoras pagaram propina de 1%
sobre o valor do contrato para construção da refinaria aos deputados do
PP gaúcho, Luiz Fernando e José Otávio.
Além das citações referentes às obras de terraplanagem, o ex-diretor
afirma que tratou de propina para a campanha de Roseana Sarney ao
governo do Maranhão em 2010 durante reuniões cujo tema central era a
refinaria. O dinheiro — cerca de 2 milhões de reais — teria sido pedido
pelo ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Curiosamente, Alberto
Youssef foi preso em São Luis, no Maranhão, tratando de negócios
suspeitos.
Perdas incalculáveis
Com o anúncio da refinaria no Maranhão, cidades do entorno, como Bacabeira e Rosário, tiveram um boom
populacional. Milhares de pessoas vieram de todos os cantos do Estado à
procura de empregos e novos negócios, relatam os moradores locais.
Restaurantes, hospedarias e hotéis foram construídos. "As duas cidades
foram invadidas por uma avalanche de pessoas, que vinham na esperança de
trabalhar. O mercado imobiliário inflacionou de uma hora para outra.
Isso destruiu os dois municípios. Criou problemas para quem morava na
região e para quem vinha de fora. Muitos desses, no fim, acabaram
ficando e aumentou o desemprego, a prostituição e a criminalidade",
afirmou Edilson Badez das Neves, presidente da Federação das Indústrias
do Maranhão (Fiema).
Após firmar um convênio com a Petrobras, a entidade chegou a
construir uma escola do Senai em Rosário para capacitar moradores. A
instituição de ensino, que custou 14 milhões de reais, sendo que 8
milhões de reais vieram do BNDES, foi erguida com o objetivo de formar
cerca de 3.000 trabalhadores para a área de construção civil, mecânica e
óleo e gás. Sem a refinaria, a Fiema teve de reestruturar o local e
passou a oferecer cursos de carpintaria e eletrônica para apenas 300
alunos.
O governo do Maranhão avaliou que as perdas foram "incalculáveis nos
aspectos econômico, ambiental e social". Uma comissão externa foi criada
na Câmara dos Deputados para apurar os gastos que o Estado teve com o
empreendimento e cobrar da estatal a devolução dos recursos.
Oficialmente, o governo informa que investiu mais de 50 milhões de reais
na obra e que deixará de recolher mais 53 milhões de reais em
incentivos fiscais. "Vamos cobrar judicialmente o ressarcimento porque a
Petrobras anunciou, o governo foi lá, e nada foi feito. As pessoas se
dispuseram a fazer investimentos. Populações foram desapropriadas. Isso
nós não podemos aceitar", afirmou a deputada Eliziane Gama (PPS-MA),
presidente da comissão.
A Petrobras ofereceu a devolução do terreno ao governador Flavio Dino
(PCdoB), que rechaçou a possibilidade, afirmando querer "uma refinaria
pronta" — mesmo que com capacidade menor. Os moradores tampouco querem
as terras de volta porque, devido ao excesso de cal depositado durante a
terraplanagem, ela está imprópria para o plantio. Dino fez um apelo à
presidente Dilma Rousseff para que ela intervisse no caso, mas não houve
qualquer sinal da presidente de que o projeto prosseguirá. A Petrobras
afirmou que não iria se pronunciar.
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