Revista Época
A
Controladoria Geral da União (CGU) identificou irregularidades na
contratação de funcionários e na criação de representação do Serviço
Social da Indústria (Sesi), patrocinadas por líderes petistas, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A investigação foi aberta a partir de denúncias de funcionários do Sesi
de que apadrinhados de petistas recebem altos salários sem trabalhar. Entre
os funcionários fantasmas identificados pelos técnicos da CGU estão
Marlene Araújo Lula da Silva, nora do ex-presidente, e Márcia Regina
Cunha, mulher do ex-deputado João Paulo Cunha, condenado no processo do
mensalão. A reportagem foi veiculada pela revista Época desse fim de semana.
O
teor da auditoria da CGU - órgão vinculado ao Palácio do Planalto, cuja
missão principal é fiscalizar a aplicação do dinheiro público - foi
publicado pela "Revista Época" desta semana. Os técnicos da CGU fizeram
um trabalho meticuloso para levantar as irregularidades no Sesi - órgão
do chamado Sistema S, bancado pelas indústrias para qualificar os
trabalhadores do setor. A partir da indicação dos fantasmas, telefonaram
em horários distintos a procura dos mesmos, foram aos escritórios do
Sesi, vasculharam computadores e entrevistaram os colegas de trabalho.
Os salários que o Sesi paga aos apadrinhados do PT
As remunerações a indicados por Lula e pelo partido chegam a R$ 36 mil – e alguns deles nem precisam aparecer para trabalhar
MURILO RAMOS
01/08/2014 20h35
Um
espectro ronda a casa 787 da Rua José Bonifácio, numa esquina do centro
de São Bernardo do Campo, em São Paulo – o espectro do empreguismo. De
longe, vê-se apenas uma casa amarela, simples e estreita como as demais
da região. De perto, subitamente, tudo o que é sólido se desmancha no ar
e – buuu! – sobram somente os fantasmas. Naquele endereço, na cidade
paulista onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mora
e fez sua carreira, funciona o “escritório de representação”, em São
Paulo, do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria, o Sesi. A
casa amarela mal-assombrada fica a 40 metros do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, em que Lula se projetou como um dos maiores líderes
políticos do Brasil. O sindicato mais famoso do país continua sob o
comando de Lula e seus aliados. A casa amarela foi criada por esses
aliados no governo de Lula. Quem a banca são as indústrias do país. Todo
ano, elas são obrigadas a financiar as atividades do Sesi, cuja
principal finalidade é qualificar os trabalhadores das indústrias. A
casa amarela é um dos melhores lugares do Brasil para (não) trabalhar. O
escritório é modesto, mas os salários são inimagináveis – e as jornadas
de trabalho, imaginárias. Difícil é entrar. É preciso ser amigo de
petistas poderosos.
Na
manhã da última quarta-feira, ÉPOCA reuniu coragem para bater à porta
da casa amarela. Estava em busca de Marlene Araújo Lula da Silva, uma
das noras do ex-presidente Lula. No papel e na conta bancária, ela
trabalha ali. A reportagem encontrou apenas dois sindicalistas, além da
copeira Maria e da secretária Silvana. Dona Maria parece ser a mais
produtiva do lugar. Faz um ótimo café. Talvez por medo, não fala sobre
as aparições. Assim que ÉPOCA perguntou pela nora de Lula, a secretária
Silvana tratou de alertá-la por telefone. Cerca de 45 minutos depois,
Marlene finalmente estacionava seu Hyundai Tucson preto na garagem.
Casada com o quarto filho de Lula, Sandro Luís Lula da Silva, Marlene raramente aparece no serviço, apesar de ter um salário de R$ 13.500 mensais. Diz ser “formada em eventos”. Questionada sobre o que faz no Sesi, onde está empregada desde 2007, Marlene foi vaga. Disse trabalhar em programas do Sesi na capital paulista e na região do ABC. “Trabalho com relações institucionais. Fico muito tempo fora do escritório. Tenho uma jornada flexível. Quem me contratou foi o Jair Meneguelli”, afirmou. Meneguelli é o presidente do Sesi. Sindicalista e amigo de Lula, ocupa o cargo desde que o PT chegou ao Planalto, em 2003. “Mas por que está fazendo essas perguntas? Se você está me procurando, deve ser pela ligação que tenho de sobrenome”, disse.
Marlene é apenas um dos fantasmas vermelhos que, segundo descobriu a Controladoria-Geral da União, a CGU, habitam a casa amarela. No começo do ano, funcionários do Sesi procuraram a CGU para denunciar a existência de fantasmas nos quadros da entidade. Todos indicados por Lula e outros próceres do PT. Os auditores da CGU, como caça-fantasmas, foram a campo. Encontraram apenas ectoplasmas. Estiveram na casa amarela e jamais flagraram a nora de Lula trabalhando. Experimentaram ligar em horários alternados, na tentativa de achá-la na labuta. Nenhum vestígio. Por fim, decidiram perguntar ao Sesi que atividades Marlene exercera nos últimos tempos. A resposta foi evasiva. Agora, a CGU trabalha num relatório sobre a caça aos fantasmas.
A rotina tranquila permitiu que Marlene se lançasse ao mundo corporativo. Em 2009, ela se tornou sócia do marido e de um cunhado, Marcos Luís, numa empresa de tecnologia que se diz especializada na produção de software, a FlexBr. Até hoje a empresa não tem site. Antes escanteada num imóvel da família do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, em São Bernardo do Campo, a FlexBr mudou-se para um belo prédio no bairro dos Jardins, em São Paulo. ÉPOCA também esteve lá na semana passada. As atendentes do prédio disseram que a empresa não funciona mais lá há pelo menos um ano. Nunca viram Marlene ali.
Por que o emprego de Marlene no Sesi nunca veio à tona? Um servidor do Sesi afirmou que se deve à dificuldade de associar o nome de solteira de Marlene ao sobrenome Lula da Silva. Na relação de funcionários do Sesi, o nome dela é Marlene de Araújo. Sobram fantasmas na família Lula. Em 2005, o jornal Folha de S.Paulo revelou que Sandro Luís, o marido de Marlene, tinha sido registrado como funcionário do PT paulista, com salário de R$ 1.500. Sandro nem sequer aparecia no partido.
Casada com o quarto filho de Lula, Sandro Luís Lula da Silva, Marlene raramente aparece no serviço, apesar de ter um salário de R$ 13.500 mensais. Diz ser “formada em eventos”. Questionada sobre o que faz no Sesi, onde está empregada desde 2007, Marlene foi vaga. Disse trabalhar em programas do Sesi na capital paulista e na região do ABC. “Trabalho com relações institucionais. Fico muito tempo fora do escritório. Tenho uma jornada flexível. Quem me contratou foi o Jair Meneguelli”, afirmou. Meneguelli é o presidente do Sesi. Sindicalista e amigo de Lula, ocupa o cargo desde que o PT chegou ao Planalto, em 2003. “Mas por que está fazendo essas perguntas? Se você está me procurando, deve ser pela ligação que tenho de sobrenome”, disse.
Marlene é apenas um dos fantasmas vermelhos que, segundo descobriu a Controladoria-Geral da União, a CGU, habitam a casa amarela. No começo do ano, funcionários do Sesi procuraram a CGU para denunciar a existência de fantasmas nos quadros da entidade. Todos indicados por Lula e outros próceres do PT. Os auditores da CGU, como caça-fantasmas, foram a campo. Encontraram apenas ectoplasmas. Estiveram na casa amarela e jamais flagraram a nora de Lula trabalhando. Experimentaram ligar em horários alternados, na tentativa de achá-la na labuta. Nenhum vestígio. Por fim, decidiram perguntar ao Sesi que atividades Marlene exercera nos últimos tempos. A resposta foi evasiva. Agora, a CGU trabalha num relatório sobre a caça aos fantasmas.
A rotina tranquila permitiu que Marlene se lançasse ao mundo corporativo. Em 2009, ela se tornou sócia do marido e de um cunhado, Marcos Luís, numa empresa de tecnologia que se diz especializada na produção de software, a FlexBr. Até hoje a empresa não tem site. Antes escanteada num imóvel da família do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, em São Bernardo do Campo, a FlexBr mudou-se para um belo prédio no bairro dos Jardins, em São Paulo. ÉPOCA também esteve lá na semana passada. As atendentes do prédio disseram que a empresa não funciona mais lá há pelo menos um ano. Nunca viram Marlene ali.
Por que o emprego de Marlene no Sesi nunca veio à tona? Um servidor do Sesi afirmou que se deve à dificuldade de associar o nome de solteira de Marlene ao sobrenome Lula da Silva. Na relação de funcionários do Sesi, o nome dela é Marlene de Araújo. Sobram fantasmas na família Lula. Em 2005, o jornal Folha de S.Paulo revelou que Sandro Luís, o marido de Marlene, tinha sido registrado como funcionário do PT paulista, com salário de R$ 1.500. Sandro nem sequer aparecia no partido.
O assessor Rogério Aurélio Pimentel deveria ser colega de Marlene na casa amarela. Até há pouco, estava lá apenas em espírito. Aurélio foi contratado no começo de 2011, para ser gerente de serviços sociais. Ganha R$ 10 mil por mês. O emprego no Sesi foi arranjado depois que a presidente Dilma Rousseff chegou ao Planalto e o dispensou. Aurélio,
amigo de Lula, trabalhou no gabinete pessoal dele nos oito anos de
mandato. No Planalto, dividia sala com Freud Godoy, ex-segurança de
Lula. Godoy e Aurélio eram conhecidos no Planalto como “dupla dinâmica”.
Freud se consagrou com o escândalo dos Aloprados, na campanha de Lula
em 2006.
Foi acusado de usar dinheiro sujo para comprar um dossiê fajuto com
denúncias contra o tucano José Serra. ÉPOCA encontrou Aurélio na casa
amarela. Ele disse não ter sido indicado por Lula. “Trabalho com Marlene
assessorando projetos e também ajudo aqui no escritório”, disse. Não
quis dar mais explicações. Desde as visitas dos caça-fantasmas da CGU,
Aurélio passou a se apresentar no escritório do Sesi com mais
regularidade.
o emprego dA nora de Lula demorou a ser descoberto porque ela usava o sobrenome de solteira
Na
sede do Sesi, em Brasília, os caçafantasmas entrevistaram funcionários
(de verdade) e vasculharam os computadores dos fantasmas em busca de
vestígios de que trabalhavam. Nada. Uma das que não entravam no próprio
computador chama-se Márcia Regina Cunha. Ela é casada com o ex-deputado João Paulo Cunha, do PT de São Paulo,
condenado no processo do mensalão. Foi Márcia quem buscou os R$ 50
mil, em dinheiro vivo, que João Paulo recebeu de Marcos Valério – ele
dizia que ela fora ao banco pagar a conta de TV a cabo. No Sesi, Márcia está empregada como gerente de marketing desde 2003. Recebe R$ 22 mil por mês.
Na
tarde da mesma quarta-feira em que procurou Marlene na casinha amarela,
ÉPOCA flagrou Márcia a 1.000 quilômetros da sede do Sesi em Brasília,
onde ela deveria estar. Márcia estava em sua casa, na cidade de Osasco,
região metropolitana de São Paulo. A casa de Márcia e do ex-deputado
João Paulo Cunha está em reforma. Márcia parecia acompanhar as obras.
ÉPOCA quis saber por que ela não estava em Brasília. “Sou gerente de
marketing. Trabalho lá (Brasília) e aqui em São Paulo. Tem uma unidade do Sesi aqui”, disse – e logo desapareceu.
Os caça-fantasmas tiveram dificuldade para encontrar também o advogado e jornalista Douglas Martins de Souza no Sesi em Brasília. Contratado para ser consultor jurídico, ganha R$ 36 mil. Filiado ao PT desde 2000, foi secretário adjunto da Secretaria de Igualdade Racial no início do governo Lula. Marlene disse que Douglas “fica entre Brasília e São Paulo”.
Além de atender a pedido de amigos, Meneguelli, o presidente do Sesi, também emprega os seus. Um deles é o petista Osvaldo Bargas. No período em que Meneguelli presidiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, Bargas era seu número dois. No Sesi, recebe salário de R$ 33 mil. A sindicalista Sandra Cabral, amiga do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, também conseguiu emprego lá. Recebe R$ 36 mil por mês.
Os caça-fantasmas tiveram dificuldade para encontrar também o advogado e jornalista Douglas Martins de Souza no Sesi em Brasília. Contratado para ser consultor jurídico, ganha R$ 36 mil. Filiado ao PT desde 2000, foi secretário adjunto da Secretaria de Igualdade Racial no início do governo Lula. Marlene disse que Douglas “fica entre Brasília e São Paulo”.
Além de atender a pedido de amigos, Meneguelli, o presidente do Sesi, também emprega os seus. Um deles é o petista Osvaldo Bargas. No período em que Meneguelli presidiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, Bargas era seu número dois. No Sesi, recebe salário de R$ 33 mil. A sindicalista Sandra Cabral, amiga do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, também conseguiu emprego lá. Recebe R$ 36 mil por mês.
COMPANHEIROS Jair Meneguelli e o ex-presidente Lula. Nomeado por Lula, ele está há 11 anos no Sesi e ganha até R$ 60 mil mensais (Foto: Ricardo Benichio/divulgação) |
Se
alguém ganha bem no Sesi, é o próprio Meneguelli. Há meses em que ganha
quase R$ 60 mil – somando ao salário uma “verba de representação”.
Hoje, ocupa uma sala espaçosa num dos prédios mais luxuosos da capital
federal. Meneguelli desfila num impecável Ford Fusion preto, modelo
2014, com motorista. Para não ficar a pé no ABC paulista, deu ordens
para que um Toyota Corolla zerinho fosse transportado de Brasília a São
Bernardo do Campo. Fica a sua disposição, com motorista. As despesas com
esses e outros três bólidos do Sesi somam mais de R$ 150 mil por ano.
Meneguelli
tem uma mania incorrigível de confundir o patrimônio do Sesi com o
dele. Todos os finais de semana, recebia passagens pagas pelo Sesi para
ir a sua casa em São Caetano do Sul, em São Paulo. Isso acabou quando
uma auditoria do Tribunal de Contas da União, o TCU, vetou o
procedimento. Outra auditoria da CGU também achou estranho que
Meneguelli tenha criado uma representação do Sesi em São Bernardo do
Campo – e não na capital paulista. Silvana Aguiar, secretária de
Meneguelli em São Bernardo, disse que a casa amarela, antes de ser o
escritório do Sesi, já abrigava o escritório político de seu patrão.
Por meio de sua assessoria, Meneguelli afirmou que Marlene, Márcia, Aurélio, Sandra e Douglas cumprem suas jornadas de trabalho normalmente, que os cargos são de livre provimento e que os carros usados por ele são compatíveis com “padrão executivo, adotado pela instituição desde antes da atual gestão, e a despeito de quem seja gestor”. Afirmou não enxergar conflito de interesses na contratação do amigo Bargas. Lula não quis comentar.
Por meio de sua assessoria, Meneguelli afirmou que Marlene, Márcia, Aurélio, Sandra e Douglas cumprem suas jornadas de trabalho normalmente, que os cargos são de livre provimento e que os carros usados por ele são compatíveis com “padrão executivo, adotado pela instituição desde antes da atual gestão, e a despeito de quem seja gestor”. Afirmou não enxergar conflito de interesses na contratação do amigo Bargas. Lula não quis comentar.
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