Para onde foram os investimentos da Saúde Pública?

Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br


Os investimentos na rede pública de Saúde do Distrito Federal somaram quase R$ 6 bilhões nos primeiros dois anos e meio da gestão do governador Agnelo Queiroz. Mas a população quer saber: para onde, exatamente, foi a verba? Isso porque ainda faltam médicos, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), enfermeiros, aparelhos, leitos de UTI e remédios.

Um enfermeiro da rede que preferiu ficar no anonimato admite a precariedade do sistema. “Trabalhamos sem maca, sem remédios. O que acontece ali dentro, até Deus duvida. A gente se sente impotente em determinadas horas”, confessa.

Tudo isso vai na contramão do que diz o Programa de Governo do petista. São 13 itens de promessas, aliados a um belo discurso,  assegurando: nos primeiros 100 dias de governo a ordem no atendimento médico  seria restabelecida. Mas isso não aconteceu nos mais de 900 dias depois da posse.

O primeiro ponto do programa fala em reestruturar o Sistema único de Saúde (SUS) no DF. Compromisso que só teria dado certo, aponta o promotor de saúde Jairo Bisol, se Agnelo Queiroz e os responsáveis pela pasta tivessem elaborado um modelo de gestão.

Desumano

Outra promessa de campanha é a de “cuidar do usuário da saúde como indivíduo, garantindo a acessibilidade, o vínculo, a continuidade, a integralidade, a responsabilização, a humanidade e a equidade”. Porém, basta entrar nas unidades de saúde para ver o quadro desumano. A mulher de um paciente denuncia: “aqui há muito desrespeito. Meu marido aguarda por cirurgia no braço e está há mais de três semanas internado. Eles justificam a demora dizendo que faltam anestesistas”, conta a esposa. Informação confirmada pela direção do hospital, ao dizer que dois estavam de licença.

Cadê os profissionais?
Outro ponto que não condiz com a realidade do DF é o que fala em priorizar a valorização dos trabalhadores de saúde e contratar profissionais da área em quantidade necessária para “o pleno funcionamento dos serviços”. Segundo Jairo Bisol, esse ponto é um dos piores no governo Agnelo. “Quando tomou posse, o governador multiplicou as secretarias, fragmentou os cargos em comissão, para espalhá-los entre seu exército de cabos eleitorais. Quando ele tomou essa atitude, empurrou o que já estava num limite perigoso para um extremamente delicado, o limite de gastos de pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante disso, pressuponho que a estratégia era terceirizar. Tudo aquilo que ele dizia que não iria fazer”.

Enquanto isso, pacientes dizem se sentir excluídos do sistema. “A fila está grande, mas se tivessem médicos suficientes, isso não iria acontecer”, reclama uma mulher que acompanhava o filho na espera por atendimento no Hospital Regional da Asa Norte. 

Somente promessas 

Ponto a ponto os compromissos de campanha de Agnelo Queiroz caem. Um deles, inclusive, trata-se de dotar a população de condições de trabalho, incluindo, entre outras coisas, a criação de creches públicas em cada cidade do DF. Apesar da promessa de construir 50 unidades este ano, apenas uma foi criada, em Sobradinho II. E faltam apenas quatro meses para 2013 acabar.

Em junho foi publicada auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF) que aponta: apenas 3,46% da demanda por creches são acolhidas pelas unidades públicas. Porém, o objetivo do governo federal é de que as creches públicas consigam atender a 50% de toda a necessidade do DF. 

O relatório mostra também que faltam professores e monitores nas creches. A expectativa da Secretaria de Educação é concluir todas as 112 unidades até o final de 2014, ano eleitoral. Cada uma delas deveria atender 120 crianças de até 5 anos, em tempo integral.

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Há ainda outra promessa no programa que não foi cumprida: “Estabelecer ações prioritárias, metas e recursos em discussões públicas nas cidades, ou seja, o Orçamento Participativo (OP), garantindo as necessidades da população no Plano Distrital de Saúde discutido e aprovado no Conselho Distrital de Saúde”. Um dos 76 conselheiros do orçamento, empossados pelo governador Agnelo Queiroz, põe em xeque a seriedade e transparência do OP. “O pessoal foi se desestimulando. Nada das obras que foram priorizadas no orçamento anterior e no deste ano saiu”, denunciou o conselheiro do Sudoeste, Elder Rocha. Cansados de esperar, a maioria deles já abandonou os cargos.

Obra não aconteceu

Na época em que foram eleitas as prioridades especiais do Orçamento Participativo, em 2012, a construção do Hospital Regional de São Sebastião ficou em primeiro lugar, com mais de 3,5 mil votos da população. A equipe de reportagem do Jornal de Brasília foi até o local destinado à obra e não encontrou nada além de um extenso terreno sem utilização alguma. 

Pense nisso
As razões para a revolta dos pacientes da rede pública poderiam compor uma lista sem fim. Na teoria, os impostos pagos pela população deveriam garantir que todo o cidadão tivesse um atendimento digno sempre que precisasse. Na prática, o brasiliense encontra hospitais sucateados, médicos que precisam correr contra o tempo para atender a todos – isso quando há médicos –, além da falta de medicamentos e de insumos. Diante desta triste realidade, o sentimento é de descontentamento, mas também de desconfiança.

Defensoria Pública é a saída

Quase todos os dias da semana, a Defensoria Pública de Saúde do DF lota. As filas chegam a invadir o lado de fora da sala. Do lado de dentro, várias histórias colocam abaixo o Programa de Governo de Agnelo Queiroz. Uma delas é o triste relato de Bernardino Godino, 60 anos. Sua filha, hoje com dois anos, nasceu prematura e, por conta disso, teve hidrocefalia. Após a cirurgia, a criança ficou com sequelas: não enxerga e a traqueia alargou.

Pedido de socorro

Hoje, a menina precisa de um aparelho chamado cânula traqueal para viver. Porém, a família não consegue mais pagar pelo tubo que custa, em média, R$ 220. Desesperado, ele buscou a defensoria para que o governo pague pelo aparelho. “A gente não tem mais dinheiro. Preciso muito que o governo me forneça. Ela é tão pequena, precisa tanto dessa ajuda”, afirma.

A camareira Andrea Martins, 38 anos, também precisou procurar o órgão. “Desde o ano passado, preciso de uma consulta no médico para avaliar meus exames e fazer uma cirurgia no quadril e nunca consigo”, conta. “A dor é insuportável e eu preciso trabalhar. Não estou aguentando mais”, ressalta a camareira. Sobre a saúde pública do DF, ela diz: “Agnelo não cumpriu nada. Sinto-me tão pequena passando por isso. Não queria nem deveria estar aqui, apelando para isso”, reclama. 

Ponto de vista

O especialista em administração pública da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira observa que o atual governador conseguiu vencer a eleição, principalmente, em função da promessa de que seria o secretário de Saúde. “Em torno disso, a população criou uma enorme expectativa de que pelo menos boa parte dos problemas da área fossem sanados”, diz.

Mas muitos não foram. Um deles diz respeito à contratação de profissionais.  Segundo o promotor de saúde Jairo Bisol, “o déficit continua altíssimo. O governo não conseguiu contratar médicos. Quando diz que conseguiu fazer isso é uma meia-verdade. E uma meia-verdade é uma grande mentira”, alerta.

Morte após 23 dias de espera em hospital público

Uma das pacientes mostradas na reportagem de ontem do Jornal de Brasília, Amélia Cantuário, 83 anos, acabou morrendo. O filho dela, o funcionário público Pedro Cantuário, 55 anos, procurou a reportagem para dar a triste notícia.

Foram 23 dias de espera para resolver um caso que parecia simples, uma cirurgia de fêmur. A família veio de Arinos, interior de Minas Gerais, para realizar o procedimento.

“Jamais pensei que minha mãe fosse morrer deste problema”, lamenta a filha, Ana Amélia Cantuário, 37 anos, que a acompanhava no hospital.

Tarde demais

A cirurgia chegou a ser feita, mas, segundo a filha, era tarde demais. “Ela já estava fraca de tantos dias de jejum para fazer a cirurgia sem nada acontecer. Quando retornou da cirurgia, já veio desacordada, desde então ficou entubada”, conta.

Para se ter ideia do descaso, a aposentada chegou no DF em 30 de julho, por volta das 23h30, e só conseguiu ser internada às 4h da madrugada. “Primeiro, a ambulância a levou para Planaltina, mas falaram que não fazia a cirurgia, assim seguimos para Sobradinho, e lá disseram que não havia vagas. Por último, viemos para o Paranoá”, relembra a filha.

Descaso total

O mau atendimento não parou por aí. Por quatro vezes a idosa teve de ser submetida a jejum de 12 horas.

“Eles diziam que iam fazer a cirurgia, mas na hora davam uma desculpa ou sequer apresentavam justificativa. Minha mãe morreu por descaso”, afirma Ana Amélia.

A Secretaria de Saúde respondeu à reportagem informando que a família não autorizou a necrópsia para saber a causa da morte da idosa.


Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br

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