ENTRE
A CELA E A SALA Às vésperas da eventual decretação da prisão dos mensaleiros, a
Justiça manda suspender obras em presídio que estava sendo reformado para dar
mais conforto aos petistas condenados
É inquestionável que no
sistema prisional brasileiro impera, como regra, o sistema de punição extremada
adicional.
Um criminoso condenado à pena de privação da liberdade vai
ser submetido na penitenciária a uma série de outros castigos.
Ele pode ser estuprado.
Com certeza vai ser achacado por grupos de bandidos que
comandam o comércio de drogas e produtos ilegais na cadeia e que vão exigir um
pedágio para que os familiares consigam fazer chegar ao preso pacotes com
roupas, comida e cartas.
Com raras exceções, o presidiário vai ter de sobreviver em
celas superlotadas, em condições desumanas.
Ou seja, adicionalmente à pena de perda da liberdade, ele
sofrerá castigos extremos aos quais a Justiça não o condenou. Esse é o destino
que espera alguns dos mensaleiros condenados pelo Supremo Tribunal
Federal a penas de prisão fechada, caso se confirme a sentença, com a
aceitação ou não dos embargos infringentes.
É justo submetê-los ao inferno carcerário brasileiro
convencional ou, por se tratar de políticos, banqueiros e empresários, o grupo
não deveria cumprir pena no mesmo ambiente onde estão estupradores, assassinos
e assaltantes violentos? Essa é a discussão que, certamente, se seguirá ao ato
final da eventual condenação dos mensaleiros pelo STF.
Juízes encarregados de fiscalizar os direitos dos presos
dizem que não é aceitável colocar os mensaleiros em prisões comuns. Isso
equivaleria a expor a vida deles a riscos de morte e agressão violenta. Há
consenso entre especialistas em torno dessa questão de que é preciso evitar
esse tipo de situação.
Minimizar esses
choques, porém, é bem diferente do que se tentou fazer em Brasília, onde o
governo [petista] do
Distrito Federal mandou construir quatro celas especialmente para receber os
mensaleiros condenados. Seriam celas individuais com televisão, cama, chuveiro
elétrico e banheiro privativo — uma ala com grau de conforto inaudito em uma
penitenciária brasileira.
Era
para tudo ser feito na surdina, mas o plano foi descoberto. No ano passado, o
governo do DF liberou 3,3 milhões de reais para obras de reforma e ampliação do
Centro de Progressão Penitenciária (CPP), instituição do sistema penal para
presos que cumprem penas no regime semiaberto, que trabalham durante o dia e
dormem na cadeia.
A obra, segundo o
edital, tinha como objetivo ampliar as instalações, criando 600 novas vagas.
Como se vê no detalhe da foto no começo deste texto, a ampliação começou —
simultaneamente a uma discreta reforma no prédio que fica situado na ponta do
complexo.

No pequeno estacionamento à frente do prédio, uma pilha de
tijolos e um monte de areia denunciavam a obra. Trabalhadores do local
confirmaram que o galpão estava sendo transformado em quatro pequenas salas,
com banheiro e instalações completas para receber chuveiro elétrico, televisão
e até uma pequena geladeira.
Esses detalhes, porém, deveriam ser omitidos do grande
público. Há algumas semanas, o secretário de segurança do DF, Sandro Avelar,
foi procurado pelo secretário de Governo, Swedenberger Barbosa, que lhe
transmitiu um pedido que recebera do “Diretório Nacional do PT”. Os petistas,
segundo ele, queriam saber da possibilidade de promover reformas no CPP de modo
a receber alguns dos condenados no processo do mensalão, permitindo que eles
cumprissem suas penas com segurança e o mínimo de conforto.
Combinou-se
então a transformação do pequeno galpão nas salas especiais. Já havia o
dinheiro liberado e os operários encarregados do serviço. Não fugiria, em
princípio, do escopo da obra: ampliação e reforma do complexo.
“Era um pedido legítimo da direção do partido, preocupada
com o futuro dos deputados condenados. Em Brasília, hoje, não existe um lugar
seguro para os condenados em regime semiaberto cumprirem suas penas em
segurança. Não havia motivos para não atender”, explicou um funcionário do
governo de Brasília que acompanhou o processo.
Uma reportagem do
jornal Correio Braziliense revelou
a existência da parte secreta da obra. Na semana anterior à passada, o Supremo
Tribunal Federal concluiu a primeira leva de recursos apresentados pelos
condenados do mensalão, os chamados embargos de declaração. Alguns dos réus
mais destacados, como o ex-ministro José Dirceu, alimentavam a expectativa de
que suas penas pudessem ser reduzidas nessa etapa do julgamento. Ficaram só na
esperança, porém.
Se os ministros reduzissem a pena que foi imposta a José
Dirceu pelo crime de formação de quadrilha, ocorreria uma mudança drástica no
seu futuro: ele poderia trocar o regime fechado pelo semiaberto, e, quem sabe,
até cumprir a pena nas salas especiais de Brasília.
O ministro Ricardo Lewandowski, mais uma vez, foi um dos
que mais se empenharam para convencer a corte a acolher os argumentos dos
mensaleiros. No auge de seu esforço, ele chegou a fazer uma acusação grave
contra o próprio tribunal: disse que seus colegas ministros teriam aumentado
desproporcionalmente as penas de alguns condenados para forçá-los a cumprir a
sentença em regime fechado.
O arroubo foi ignorado pela maioria dos ministros. A
admissibilidade dos chamados embargos infringentes, e, em caso de admitidos, o
seu acatamento constituem a última tentativa de alguns dos réus de reduzir as
penas e escapar da cadeia.
Na
quarta-feira, dia 4, repórteres de VEJA voltaram ao CPP. Os tijolos e a areia
tinham desaparecido, assim como os operários que trabalhavam no local. Obra
ali? Sim, de fato há duas em andamento: a ampliação das instalações e a
reforma, mas, segundo os funcionários do complexo, a versão agora é que os
operários estão simplesmente fazendo uma adaptação para transformar o velho
galpão em um novíssimo paiol.
Ninguém nunca ouviu falar em salas especiais para
mensaleiros.

O magistrado informou ao secretário de Segurança Pública
que desautorizava qualquer mudança na estrutura do presídio sem sua prévia
concordância.
Procurado, Sandro Avelar disse que não podia falar “sobre
o que eu nem sei se existe”. Ex-assessor de gabinete do ex-ministro José
Dirceu, o petista Swedenberger Barbosa também negou a intervenção em favor dos
mensaleiros. “Vou processar quem fizer qualquer tipo de ilação”, mandou dizer
através de um assessor.
Por enquanto, a obra do CPP continua, mas só a de
ampliação. A construção do albergue clandestino está oficialmente suspensa.
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