Um péssimo exemplo


Patrícia Fernandes
patricia.fernandes@jornaldebrasilia.com.br
Quando o tema  é o respeito à legislação vigente, o ditado popular “um peso e duas medidas” faz todo sentido para o Governo do Distrito Federal (GDF). Contrariando a legislação vigente, que proíbe a colocação de placas em locais públicos sem autorização, o governo conta com um arsenal de faixas e placas irregulares enaltecendo o trabalho do Executivo. Também é muito comum encontrar faixas assinadas por deputados nas entradas das   cidades. 


Enquanto ações de retiradas de placas são feitas quase diariamente, a fiscalização parece passar longe do Eixo Monumental. Ali, dezenas de banners atrapalham a visão dos motoristas e poluem os gramados, nas proximidades do Palácio do Buriti e do Centro de Convenções. Além da publicidade institucional, há faixas de autoria desconhecida fazendo agradecimentos ao governador Agnelo Queiroz. 

Segundo especialistas, a prática, além de inadequada e passível de punição, cria um cenário marcado pela poluição visual e é nociva à qualidade de vida da população.

Para o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB)  Frederico Flósculo, a vasta quantidade de placas irregulares é reflexo da omissão do governo. “Não existe nada pior para uma cidade do que um governo omisso. Nesse caso, os governantes dão o mau exemplo.  Além disso, não são modestos e espalhafatosos. Essas propagandas irregulares são reflexo disso”, destacou.


Legislação

Segundo Frederico, a capital federal carece de um código de conduta adequado. “Isso tudo nasce da ausência de um código de postura na cidade. Esse código vai ensinar como o espaço urbano pode ser usado e como não pode. A poluição urbana é provocada pelo incômodo. Ocupa-se um lugar de algo que deveria estar livre. O que vemos é absurdo. Prejudica-se a passagem dos pedestres colocando as faixas”, afirmou o estudioso.

Em Brasília, segundo o professor, se prevalece a cultura das ruas. “A cidade é desorganizada nesse aspecto. O que prevalece é o que estabelecido nas ruas, que acaba virando epidemia. E o governo, por sua vez, não combate e muito menos muda esse discurso. Com isso, as pessoas sentem a oportunidade de fazerem coisas pessoais no espaço público, na medida em que isso deveria ser coibido pelas autoridades”, declarou o professor da Universidade de Brasília.

Para população, regra deve valer para todos


Nas ruas, as pessoas têm opinião unânime quanto ao assunto: a regra deve valer para todos. Para a ginecologista Jeíza Santana, 38 anos, a lei é aplicada em partes. “A proibição vale para alguns. Mas para outros não”, declarou. 

Para o músico Jelzair Santana, 64 anos, as faixas espalhadas pela cidade atrapalham a vida da população. “A cidade fica feia e o excesso de placas tira a atenção do motorista, que acaba se distraindo durante o trajeto. Em algumas épocas do ano, esse excesso fica ainda mais acentuado”, argumentou.

Malquiza Santana, 51 anos, diz acreditar que a fiscalização mais eficaz pode reduzir a quantidade de propagandas irregulares. “Se a lei valesse para todos não existiria esse tipo de infração”.

A dona de casa Gilvana Silva, 70 anos, relata que os governantes exageram na quantidade de propagandas irregulares. “Onde eu moro existem muitas em algumas épocas, como o Dia das Mães ou aniversário da cidade, entre outras”.

Acontece sempre

Para o comerciante Marx Farias, 30 anos, a fiscalização não dá brecha. “Sempre que coloco uma publicidade do meu negócio, eles removem as faixas”, conta. Ele diz que a sensação é de revolta. “Fico muito indignado porque observo várias faixas de políticos parabenizando aniversário de cidade e nada acontece. O argumento que eles usam ao retirar a minha faixa é o de poluição visual, mas as faixas de políticos também poluem”, argumenta.

Como precisa da publicidade para divulgar suas vendas e não tem condições de investir em propagandas de grande porte, o comerciante defende que estratégias sejam criadas para facilitar o trabalho dos microempresários. “De repente podiam permitir as faixas em um dia da semana. Essa é a única alternativa para quem tem um negócio pequeno”, assegura Marx Farias. Como cansou de perder dinheiro com faixas, para anunciar seus produtos, o comerciante tem feito a propaganda em seu automóvel.

Agefis não se posicionou

Com o objetivo de ouvir todos os lados envolvidos na questão, o Jornal de Brasília entrou em contato com a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). Entretanto, a assessoria de imprensa do órgão informou que os questionamentos seriam respondidos pela assessoria de comunicação do Governo do Distrito Federal. 

Acesso à informação

Após essa informação, a reportagem do JBr enviou os questionamentos à  assessoria. Ao todo, cinco perguntas englobando a fiscalização das placas irregulares foram enviadas. Entretanto, após cerca de seis horas de espera, o órgão se limitou a responder que as faixas comerciais são proibidas em locais públicos, exceto  as autorizadas pelas Administrações Regionais. Ou seja, todos os questionamentos feitos pela reportagem para dar embasamento à matéria e informar o leitor foram sumariamente ignorados.

É importante destacar que o acesso às informações públicas é garantido por lei a todos os cidadãos. A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, assegura o direito fundamental de acesso à informação. De acordo com o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Cristiano Paixão, a lei representa um significativo avanço para a democracia do País. “O Brasil tinha uma lei de acesso à informação muito restrita. Mas a lei criada em 2011 veio para modificar esse quadro. Ela define que as informações são públicas”, declarou.

Segundo Cristiano Paixão, é imprescindível que a lei seja respeitada. “Ainda existem muitas dificuldades decorrentes de uma cultura anterior, na qual a ditadura militar proibia o acesso às informações. Essa cultura do segredo precisa ser transformada. A população tem direito a  acesso a arquivos relacionados a decisões, atas de conselhos, atas de órgãos públicos e a todos os gastos”, argumenta o professor da Universidade de Brasília.

Publicidade legal

Toda propaganda, para ser afixada em área pública e privada, deve obedecer às normas previstas na legislação. Até mesmo aquela faixa para informar o local de uma festa. 

O que é preciso para colocar placa de forma legal?  O interessado deve apresentar projeto da propaganda à Administração Regional da cidade em que ela vai ser exposta. O órgão poderá conceder uma autorização prévia, com prazo de 15 dias, levando em conta as normas previstas no Plano Diretor de Publicidade do Distrito Federal. 

O que acontece com quem faz publicidade irregular?  Fazer propaganda de forma irregular pode acarretar em multas ao responsável. O valor da notificação, expedida pela Agência de Fiscalização (Agefis), varia de R$ 405 a R$ 1,2 mil.

Ponto de vista
 De acordo com a arquiteta Isabela Reis, o excesso de propagandas irregulares pode ocasionar uma série de malefícios. “Além da poluição visual, a qualidade de vida da população é afetada. A poluição também pode agredir o meio ambiente e diminuir a beleza natural da cidade”, ressaltou. 
 
Ela destaca os principais problemas ocasionados pela propaganda irregular. “Com o excesso de faixas, os pedestres têm dificuldades em transitar pelas calçadas, a visibilidade dos motoristas é afetada. Também é importante ressaltar que a grande quantidade de informações gera confusão, cansaço, desatenção, estresse e, em alguns casos, pode acarretar depressão”, explicou.


Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br

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